Costa Alves: «Não há pecados capitais»
Quem fala assim... (23)
«Irrita-me já não conseguir irritar-me com coisas que costumavam irritar-me. O tempo acaba por moderar estas coisas...»
Mais do que uma entrevista, aqui houve um reencontro: Manuel Costa Alves foi um dos melhores professores que tive. Ensinou-me Geografia no liceu, dele ouvi pela primeira vez falar em cúmulos, cerros e nimbos. Dons de pedagogo que pôde exercer também, para o país inteiro, durante os anos em que apresentou o boletim meteorológico na RTP e na TVI.
Tem medo de quê?
Tenho medo de coisas de que não sei se tenho medo. Tenho medo de ter vertigens, por exemplo. E tenho medo do medo.
Gostaria de viver num hotel?
Não. Nem no mais luxuoso hotel que possa existir. Não há nada que pague a privacidade de uma casa e das suas memórias.
A sua bebida preferida?
Vinho tinto.
Tem alguma pedra no sapato?
Ui, tantas! Às vezes nem consigo meter o pé... São coisas que vamos acumulando ao longo da vida.
Que número calça?
40.
Que livro anda a ler?
Estou a ler um livro chamado La Guerra Civil que No Va Gustar a Nadie, de Juan Eslava Galán. Sobre a Guerra Civil de Espanha.
É um tema que o atrai muito?
Sem dúvida. Na minha cidade natal, Castelo Branco, a minha família teve ecos muito próximos da guerra civil [1936-1939], que se desenrolava também junto à fronteira.
Costuma ter muitos livros à cabeceira?
Pelo menos dois ou três.
De vários géneros?
Sim. Gosto muito de História. Mas também leio romances.
A sua personagem de ficção favorita?
Aquelas personagens do Memorial do Convento. A Blimunda e o Baltasar Mateus, o Sete-Sóis.
Rir é o melhor remédio?
Sim. E chorar também.
Lembra-se da última vez em que chorou?
Sim. A partida de pessoas a quem estou ligado emociona-me sempre muito. E as memórias que essas pessoas deixam também.
Gosta mais de conduzir ou de ser conduzido?
Gosto mais de ser conduzido. Sou um bocado comodista.
Transgredir é bom?
Em situações que não ponham em risco os outros é bom atravessarmos os limites impostos pela rotina e pelas regras que devem ser contestadas.
Qual é o seu prato preferido?
Não sou grande garfo. Mas gosto de tudo que tenha bacalhau.
Qual é o pecado capital que pratica com mais frequência?
Não há pecados capitais.
A sua cor preferida?
É o azul, mas sem conotações clubísticas.
Costuma cantar no duche?
Não. Detesto ouvir-me. Não me encanta nada o som da minha voz.
E a música da sua vida?
Há muitas. Quase todo o Zeca Afonso, por exemplo.
Sugere alguma alteração ao hino nacional?
Aquela letra está muito desactualizada. Devia levar uma volta.
Parece-lhe bem a bandeira nacional?
Sim. As cores dão força ao simbolismo republicano.
Com que figura pública gostaria de jantar esta noite?
Entre os vivos, com Nelson Mandela, sem dúvida [Mandela faleceu em 2013]. Dos que já partiram, gostaria muito de ter conhecido Gandhi.
As aparências iludem?
Imenso. É o que mais se usa.
Na meteorologia também?
Também. Há muitos fenómenos que iludem o mais experimentado meteorologista.
O que é que um verdadeiro cavalheiro nunca deve fazer?
Mas ainda há cavalheiros?
Qual é a peça de vestuário que prefere?
As calças.
Qual é o seu maior sonho?
O sonho de uma outra sociedade, muito mais justa, muito mais humana. Mas já aprendi que não será para o meu tempo.
Mas o sonho permanece?
Sim, claro.
E o maior pesadelo?
Os pesadelos relacionam-se sobretudo com a morte, nomeadamente de pessoas que nos são queridas. São receios atávicos.
O que o irrita profundamente?
Irrita-me já não conseguir irritar-me com coisas que costumavam irritar-me. O tempo acaba por moderar estas coisas...
Qual a melhor forma de relaxar?
Relaxo muito vendo o Benfica e a selecção nacional a jogar futebol. O mar de Inverno também relaxa muito.
O que faria se fosse milionário?
Não quero ser milionário.
Casamentos gay: de acordo?
Sim.
Uma mulher bonita?
A Nicole Kidman. Não sei se é bonita por dentro, mas é bonita por fora e é uma grandíssima actriz.
Acredita no paraíso?
Gostava que existisse. Mas penso que não existe.
Tem um lema?
Faz bem o que sabes fazer.
Entrevista publicada no Diário de Notícias (29 de Maio de 2010)