Que vergonha, rapaziada
Decorridos mais de 45 dias sobre as eleições, há um facto que é já inquestionável. A renovação cívica e democrática que sempre deveria resultar de uma ida às urnas está já irremediavelmente comprometida. Um a um, os principais actores políticos contribuíram de forma decisiva para o pântano político e institucional em que estamos mergulhados. Vejamos alguns factos:
Facto 1: António Costa perdeu as eleições. A partir da noite de 4 de Outubro iniciou um processo intelectualmente desonesto de negociação com o PCP e o BE com o único propósito de alcançar o poder pelo poder. É óbvio que não existe qualquer afinidade substancial entre a mundividência política do PS e aquela que defendem comunistas e bloquistas.
Facto 2: António Costa foi politicamente desonesto com o país e com o Presidente da República quando afirmou a existência de um acordo à esquerda que só veio a concluir mais de um mês depois, de forma coxa e com condições precárias. A desonestidade política persiste, pois as posições conjuntas a que semanas de negociações deram origem não correspondem, de todo, a um acordo politicamente consistente.
Facto 3: A debilidade moral não é, todavia, uma característica exclusiva de Costa. De um e de outro lado da trincheira, apparatchiks zelosos dedicam horas infindáveis à arqueologia da internet. Uns e outros encontrarão vídeos, afirmações e artigos em que se afirma hoje o contrário do que se disse ontem. E assim expõem, todos, sem pudor, a profunda falha ética de que se alimentam. Nada tem valor por si. O que importa à sacanagem é demonstrar que o adversário é um sacana maior.
Facto 4: O novo Presidente da Assembleia da República, a 2ª figura do Estado, é alguém da envergadura de Eduardo Ferro Rodrigues. Esta circunstância seria, só por si, suficientemente vexatória para a República. Todavia, a forma sectária como a personagem tem exercido a função, quando esta imporia pelo menos algum distanciamento, constitui uma nódoa provavelmente indelével na cadeira da presidência da Instituição.
Facto 5: O ainda primeiro-ministro, depois de ter mentido conscientemente na campanha para as eleições de 2011, não ficou satisfeito. Desta vez, o discurso fraudulento teve como objecto a devolução da sobretaxa. E se não é possível afirmar que o próprio mecanismo de cálculo foi manipulado, foi certamente manipulada a comunicação que sobre ele se fez a partir do governo.
Facto 6: A defesa da Coligação perante a manobra de Costa baseou-se na teoria do golpe. Todavia, Passos Coelho não encontrou melhor argumento para contrariar esse suposto golpe do que uma proposta golpista e oportunista de revisão da Constituição. E ainda que se saiba que tal proposta não passava de pura retórica, o certo é que constitui um triste espectáculo ver Costa e Coelho a disputarem na cena política como se fossem canalha no recreio.
Facto 7: Por falar em canalha no recreio: deputados eleitos pelos portugueses, um para o Parlamento nacional, outro para o Parlamento europeu, em lugar de argumentarem com profundidade e elevação, dedicam-se a comentários desmiolados no Twitter. Tiago Barbosa Ribeiro apelida o Presidente eleito de gangster. Ana Gomes encontra uma relação causal entre a governação de Passos e os suicídios nas polícias. São ambos deputados pelo PS, mas não é esse ponto o relevante. Se nos déssemos ao trabalho, encontraríamos certamente exemplos semelhantes em outras bancadas.
Facto 8: José Sócrates passeia-se pelo país de voz esganiçada, pavoneando-se entre alguns parolos que o aplaudem e o incentivam. Até ver, não há um que lhe pergunte duas coisas muito simples: a) no total, quanto lhe foi "emprestado" pelo "amigo"; b) começaram, ou não, esses empréstimos quando ainda exercia funções governativas. E o incrível é que com tanto bazófia sobre os seus direitos de cidadania, o próprio ainda não tenha sentido o imperativo moral de prestar tais informações ao país.
Facto 9: O Senhor Presidente da República, omnisciente e presciente, mantém o país em suspenso de uma decisão durante semanas por ter de se dedicar a uma inadiável visita às ilhas. Ele que faltara às comemorações do 5 de Outubro devido à urgência de tomar decisões sobre a situação política do país. Entretanto, certamente afectado pela maior proximidade ao equador, dedica-se a teorizar sobre as características da Banana da Madeira. A desgraça é tanta que nem uma comparação rigorosa sobre o tamanho da dita banana face à que se desenvolve noutras paragens conseguiu fazer em termos.
Facto 10 (last but not the least):Tudo isto é, convenhamos, uma grande vergonha.