Quanto mais vago melhor
Uma proposta de revisão dos estatutos do Bloco de Esquerda está a causar sururu e mereceu críticas de alguns dos seus militantes. Em causa está a proposta de uma norma que, no seguimento de recomendações do Tribunal Constitucional, no sentido de ser densificado o catálogo de deveres "para que os aderentes possam deduzir os tipos de conduta susce[p]tíveis de consubstanciar infra[c]ções disciplinares", impõe aos militantes a obrigação de se absterem de "conduta que cause sério prejuízo ao partido".
Luís Fazenda defende a formulação que será levada à apreciação da Convenção Nacional do BE, no final de Maio, dizendo que se visa proteger o partido de quem cometa crimes graves, e que o PS tem idêntica formulação nos seus estatutos.
Importa esclarecer os leigos, desde já, que os estatutos do PS não contêm qualquer formulação idêntica aplicável aos militantes, bastando para tal confrontar a proposta do BE com o artigo 9.º dos estatutos dos socialistas.
O mesmo se diga quanto aos respectivos normativos em relação ao PSD (cfr. artigo 7.º), Chega (cfr. art.º 9.º), Iniciativa Liberal (cfr. art.º 10.º), PCP (cfr. art.ºs 9.º e 14.º), Livre (cfr. art.ºs 5.º e 6.º em relação a militantes e apoiantes) e PAN (cfr. art.ºs 6.º, em relação aos filiados, e o 7.º, respeitante às "companheiras e companheiros de causas").
Existe sim uma norma nos estatutos do PS, destinada apenas aos que possuam a condição de simpatizantes, cujo elenco de direitos e deveres é consideravelmente diferente, face à posição de militante e ao estatuto que este confere, referindo que "a violação de deveres por parte de um simpatizante, nomeadamente o desrespeito pelos princípios programáticos ou conduta que acarrete sério prejuízo ao prestígio e ao bom nome do Partido, pode determinar a perda dessa qualidade".
Formulações vagas, generalidades onde tudo possa caber, e que tudo permitam ao aplicador da lei, são procedimentos próprios dos partidos iluminados e das vanguardas patrióticas das autocracias.
Compreendo a incomodidade do Fazenda, ex-UDP, perante as denúncias e abusos cometidos em relação às suas trabalhadoras e à grotesca história de Vítor Machado, mas a denúncia das ilegalidades e das injustiças dentro do próprio partido, ao invés da sua cobertura, como fez uma das suas dirigentes e assumiu o partido num momento inicial ao fazer-se de vítima, devia ser um dever de qualquer militante de um partido democrático.
A democracia, todos o sabemos, tem diversos matizes. Há quem se esforce na elasticização do conceito para que nele entrem tanto os nacionalistas de Putin, como os maduristas venezuelanos ou os patriotas chineses, mas há limites para a desfaçatez. E na fraude só cai quem quer.