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Delito de Opinião

Quando o gigante se torna anão

Pedro Correia, 06.11.20

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Os EUA são um gigante económico, militar e cultural. Mas são também um anão político, como vêm demonstrando ao mundo desde terça-feira. 

Três dias depois, os norte-americanos permanecem em suspenso, sem fazerem ideia se o vencedor desta corrida à Casa Branca foi o ex-vice-presidente Joe Biden (que lidera nos votos populares e no número de "grandes eleitores") ou o actual presidente Donald Trump. Sabendo-se que têm um quadro eleitoral permeável à fraude, como ficou patente nas eleições de 1960 (que poderão ter sido ganhas por Richard Nixon em vez de John Kennedy) e de 2000 (alegadamente ganhas por George W. Bush contra Al Gore por apenas 537 votos na Florida, estado governado por um irmão do candidato republicano). E também um sistema que despreza o voto directo, num incompreensível entendimento do que é a democracia representativa: 538 delegados pronunciam-se em nome de 150 milhões de eleitores. Estão mandatados por eles, mas no limite podem até votar em sentido contrário, como sucedeu em 2016, quando sete desses membros - incluindo cinco em suposta representação de Hillary Clinton - assumiram outras opções de voto no colégio eleitoral. 

Estamos enfim perante um sistema eleitoral que permite eleger o menos votado. Aconteceu com os presidentes John Quincy Adams (que derrotou Andrew Jackson em 1824), Rutherford Hayes (que derrotou Samuel Tilden em 1876) e Benjamin Harris (que derrotou Grover Cleveland em 1888). Aconteceu também com Bush em 2000. E com Trump há quatro anos.

 

No momento em que escrevo, permanecem as incertezas em torno do desfecho da corrida presidencial em pelo menos cinco estados: Arizona (com 3 milhões de eleitores), Carolina do Norte (5,4 milhões), Geórgia (5,8 milhões), Nevada (1,2 milhões) e Pensilvânia (6,5 milhões).

Qualquer deles registou a maior afluência eleitoral de sempre, em todos eles o vencedor poderá emergir com a margem mais reduzida de que há memória. Mas é incompreensível a extrema lentidão deste processo de contagem. Não imaginamos algo semelhante em Portugal.

 

Há 60 anos, Nixon reconheceu sem demora a derrota: viria a ser recompensado com o triunfo nas urnas, oito anos mais tarde. Há 20 anos, o litígio em torno dos boletins da Florida terminou a 13 de Dezembro, quando Gore admitiu ter perdido - por uma reduzidíssima margem de 0,009% - naquele estado, 36 dias após as eleições. Evitando assim que o país mergulhasse num profundo impasse político e numa grave crise constitucional.

Trump, já se percebeu, não seguirá o exemplo daqueles dois antecessores. Tudo pode acontecer quando o gigante se torna anão.

7 comentários

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    Pedro Correia 06.11.2020

    O Partido Republicano tem a partir de agora um problema simétrico ao que o Partido Democrata enfrentou durante mais de 20 anos, entre 1968 e 1992 - quase um quarto de século dominado pelos seus rivais históricos, com o breve e malogrado interlúdio de quatro anos da presidência Jimmy Carter.

    Os republicanos, enquanto partido estrutural da democracia americana, terão muitas feridas para lamber se querem ser mais do que um interlúdio entre sucessivos mandatos democratas. Só assim passarão ao patamar pós-Trump, conscientes de que este presidente, pelas suas características muito peculiares, é um caso irrepetível.
    Mas Trump deixa herdeiros - desde logo os filhos Donald Jr e Ivanka, ambos com ambições políticas. Não tenho a menor dúvida que começarão a preparar já a corrida eleitoral de 2024. Resta ver se o apelido Trump tem mais força do que os tradicionais clãs oligárquicos dentro do partido. Antevejo muitas batalhas internas.

    A verdade é que, mesmo confirmando-se a derrota eleitoral do actual inquilino da Casa Branca, ele sai com a maior expressão eleitoral de sempre de um candidato republicano, com mais votos do que recolheu Obama em 2008 e 2012, e aparentemente reforçando a posição do partido no Congresso - mantendo a maioria no Senado e com mais lugares na Câmara dos Representantes.
    Algo que nenhuma sondagem previu. O que força uma reflexão muito séria sobre os mecanismos comunicacionais. Anda demasiada gente a impingir-nos gato por lebre, projectando cenários que a realidade insiste em desmentir.
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    Anonimus 06.11.2020

    As contas são fáceis de fazer.
    O Trumpismo tem cerca de 70 milhões de eleitores.
    Os Republicanos não têm 70 milhões, nem os democratas têm 73 milhões.
    Muita gente votou contra Trump. Numa eleição entre dois "normais" (o GW já parece um tipo razoável, hoje), desta maralha muitos ficarão em casa, muitos trocarão de lado.
    Uma das razões para o Trump não assumir a derrota é que tal seria alienar a sua base (que realmente acredita que as eleições foram viciadas pelo grande capital - ontem o homem parecia o nosso Jerónimo -, media e tecnológicas), e isso pode prejudicar o lançamento do The Donald II, que ao que parece é farinha do mesmo saco (já a Ivanka parece mais evoluída, ou pelo menos finge melhor). Naquela família é complicado distinguir as pessoas das personagens, e a realidade da ficção.
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    Pedro Correia 06.11.2020

    Trump pode fazer birrinha à vontade e bater o pé, como se os EUA fossem a Venezuela ou o Irão, onde qualquer vitória da oposição é prontamente anulada pelos detentores do poder.
    Por mais defeitos que o sistema norte-americano tenha (e tem muitos), ainda não se confunde com as autocracias vigentes em países como a Bielorrússia, onde só ganha quem, quando e como o presidente quer.

    Se entende que houve fraude, recorra aos tribunais. Exija recontagens. Paralise o processo nos temos que a lei lhe faculta.
    Mas para isso terá de apresentar provas, não bastará pôr-se aos gritos ao vivo e nas redes sociais.
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    Anónimo 09.11.2020

    Em 2016 houve provas? Mas houve investigação do FBI e do departamento de estado. Uma investigação que se arrastou durante anos.
    Então agora não pode haver uma investigação sem provas porquê?
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    Pedro Correia 09.11.2020

    Não vai haver investigação nenhuma. Página virada.
    O menino birrento ficou sem o brinquedo. Temos pena.
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    Anónimo 09.11.2020

    isso é você a dizer só porque não gosta dele. A possibilidade de erros não importa nada. O que importa é que como você não gosta dele nem admite que se averigue. Isto é espetacular
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