Pulseira electrónica ou caução de seis milhões
Manuel Pinho
Em Portugal, a instrução judicial em torno de ilícitos criminais, quando estão em causa influentes e poderosos, parece um caminho sinuoso rumo ao inevitável desfecho por prescrição. Só assim se entende que o mais emblemático dos ministros da Economia dos governos Sócrates tenha sido figura desta semana por factos supostamente ocorridos entre 2007 e 2009. Foi necessário mudar o juiz titular do processo que vegetava no Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, após um sem-fim de recursos, para o caso dar um passo em frente.
Manuel António Gomes de Almeida de Pinho, 67 anos, é arguido desde 2017 por indícios de corrupção e branqueamento de capitais com verbas oriundas do Grupo Espírito Santo, ao qual esteve ligado durante cerca de duas décadas, quando Ricardo Salgado parecia mesmo o dono disto tudo. Só em 2021 começou a ser ouvido no âmbito desta instrução que avançou a passo de caracol.
O juiz Carlos Alexandre, novo titular do processo, impôs-lhe quarta-feira uma severa medida de coacção: fica sob detenção domiciliária, com pulseira electrónica, salvo se apresentar uma inédita caução de seis milhões de euros. Alega o magistrado que haveria risco de fuga, pois o antigo governante cancelou as contas bancárias em Portugal, reside habitualmente no sul de Espanha e possui residência nos EUA, além de se deslocar com frequência à China – país que visitou em 2007, enquanto ministro, apelando a Pequim para investir em Portugal por haver aqui «mão-de-obra mais barata do que em Espanha». Curioso argumento na boca de um socialista que tutelou a Economia entre 2005 e 2009.
Pinho é suspeito de ter favorecido a EDP neste país que paga hoje uma das facturas de electricidade mais pesadas da Europa. Obtendo como suposta moeda de troca um posto de professor convidado na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, após a eléctrica portuguesa ter atribuído 1,2 milhões de dólares a esta instituição. O ex-governante deverá ainda justificar os mais de 500 mil euros que aparentemente recebeu do “saco azul” do GES enquanto desempenhou funções ministeriais: cerca de 15 mil euros por mês, não declarados ao fisco, que seriam pagos através de uma sociedade offshore.
Parece o enredo de uma vulgar série de corrupção política. Onde não falta a habitual gritaria dos advogados com acesso permanente às tribunas mediáticas clamando contra hipotéticos «abusos do Ministério Público» e daqueles tudólogos que se indignam quando o aparelho judicial desperta da letargia e começa a funcionar. Alguns são os mesmos que há poucos dias ferviam de indignação contra a negligência da justiça por ter deixado escapar João Rendeiro.
Políticos envolvidos nas malhas dos negócios e uma justiça que protela e arquiva em vez de combater os crimes de colarinho branco: eis um explosivo cocktail que favorece a mais despudorada demagogia dos extremistas prontos a apontar o dedo às fragilidades do sistema democrático. Infelizmente, não é filme: são cenas demasiadas vezes repetidas da nossa vida real.
Texto publicado no semanário Novo