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Delito de Opinião

Primeiro a negação, depois a remodelação permanente

Sérgio de Almeida Correia, 06.01.23

40087469-1600x1067.jpg(LUSA, daqui)

Perdi, é este o termo adequado, algumas horas nos dois últimos dias a acompanhar a apresentação e debate da moção de censura ao Governo.

O voluntarismo, nalguns casos, a impreparação e a exaustão, noutros, dos que botaram faladura em nome da oposição foi notável.

Do inenarrável Sarmento – líder da bancada do PSD – ao deputado "Mr. Músculos" Duarte Pacheco (enquanto está na Mesa sempre passa mais despercebido), do discurso requentado de Catarina Martins ao esforço da bancada da IL para mostrar serviço, dos diamantes da bancada socialista à lengalenga mofienta do que resta do velho PCP e ao deslocamento da deputada do PAN, dir-se-ia estar-se perante uma reunião magna de estudantes de qualquer academia. Com excepção de Rui Tavares (Livre), de Cotrim de Figueiredo (IL) e do sempre truculento Ventura (Chega) foram raros os momentos de algum interesse. 

Os discursos perdem-se em chavões, lugares-comuns, gracejos desajeitados, leituras apressadas de notas que pouco interessam. Não há ali ponta de substância. 

O primeiro-ministro acaba por embarcar no estilo, e confortável na sua maioria absoluta, que apenas se mantém compacta pelo cheiro do poder, vai tentando defender o indefensável.

As oportunidades perdem-se como quem devolve ao mar cestos de peixe miúdo. Alguns sucessos recentes em matéria de finanças públicas ou emprego numa conjuntura difícil não escondem o deserto de ideias, e de gente, de que se faz hoje a acção política e governativa.

Mas o que é mais surpreendente é que, ao arrepio de tudo o que seria previsível e mandaria o bom-senso, até mais o faro político, o líder da maioria esteja de tal forma enredado no aparelho do partido que dispense os melhores e se sinta na obrigação de defender quem nunca deveria ter escolhido para integrar um governo, gente que pouco tempo volvido, no último caso algumas horas apenas, se vê obrigada a apresentar a demissão do cargo em que acabara de ser empossada pelo Presidente da República.

Não sei, até porque estou longe, o que pensam e comentam os portugueses, mesmo os que apoiam ou se revêem nas políticas do PS, e que nos cafés, no trabalho, nos transportes públicos ou em casa vão olhando para os títulos dos jornais, ouvindo os protagonistas e assistindo a demissões e remodelações em catadupa num executivo formado por um partido que ainda há menos de um ano venceu as eleições com maioria absoluta.

Também não sei quando é que o próximo se demitirá – há um na calha que ontem foi referido, embora ninguém saísse em sua defesa –, mas o espectáculo que está a ser revelado é mau demais para que as próprias estruturas do partido não se manifestem.

Entregue, de norte a sul e ilhas, aos caciques dos aparelhos das concelhias, começa a ser difícil encontrar uma linha de rumo sem turbulência que permita cumprir o programa de Governo sem sobressaltos até ao fim do ciclo legislativo.

A não ser que o primeiro-ministro, a seguir à peregrina proposta de querer ir discutir com o Presidente da República "um circuito" que "permita evitar desconhecer factos" relacionados com as pessoas que escolhe para os seus governos [🤦‍♂️], comece a adjudicar a escolha dos futuros membros dos governos da República a uma dessas empresas de recrutamento de altos quadros.

O grande e saudoso Pedro Baptista, que um dia me disse, perante a minha desconfiança e depois de com grande mágoa se afastar da militância no PS-Porto, que o partido era irreformável, não está cá para assistir a nada disto. Teve a sorte (Soares e Sampaio também) de ser poupado a este espectáculo de desgoverno político, mas imagino o que ele não diria, depois de uma vida de combate por um Portugal decente, sobre o que está a acontecer. Não haveria na nossa língua vernáculo suficiente para expressar com rigor os seus, e os meus, sentimentos nesta hora.

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