Presidenciáveis (68)
Lídia Jorge
Há tradições que não deviam perder-se. Ter Presidentes-escritores é uma delas. A tradição foi inaugurada, logo após o 5 de Outubro, por Manuel de Arriaga e Teófilo Braga - conhecidos literatos, contemporâneos de Eça de Queirós. Prolongou-se com outro inquilino de Belém, Manuel Teixeira Gomes, autor de umas Novelas Eróticas ainda hoje nada despidas de polémica.
Em 2006 e 2011 Manuel Alegre procurou restaurar esta tradição, mas os eleitores determinaram que ele não assinasse o Livro de Actas do Palácio de Belém. Entretanto houve escritores-deputados, como o próprio Alegre, Sophia de Mello Breyner Andresen e Natália Correia.
Nada surpreendente, esta atracção dos escritores pela política: André Malraux e Jorge Semprún ocuparam pastas ministeriais da Cultura em França e Espanha, Jorge Amado foi deputado estadual no Brasil, Rafael Alberti exerceu igualmente a função parlamentar nas Cortes em Madrid quando ali foi restabelecida a democracia, e Vargas Llosa candidatou-se à Presidência da República no Peru.
Entre nós, falta transpor para a política o prestígio social de que os escritores geralmente gozam mesmo nesta era de inflação de títulos literários. Lídia Jorge - signo Gémeos, de 68 anos e algarvia como Teixeira Gomes - seria um nome certamente bem acolhido como candidata presidencial. Alguém que nos pusesse a par de países como Malta, Finlândia, Irlanda, Lituânia, Islândia e Letónia: qualquer deles já se antecipou a Portugal atribuindo à chefia do Estado o seu genuíno género, que é o feminino.
Lídia Jorge, que em 2015 assinala 35 anos de vida literária, tem assumido posições de carácter cívico e político bem conhecidas, próximas do PS. Escreveu Os Memoráveis, que alguns consideram o melhor romance português alusivo ao 25 de Abril. Tem cultura, experiência, talento - e saberia, talvez até mais do que alguns antecessores em Belém, interpretar correctamente o preceito constitucional que propicia a intervenção presidencial quando está em causa o "regular funcionamento das instituições".
O que lhe falta? Talvez só vontade para inaugurar esse Dia dos Prodígios que seria o da representação feminina no posto de comando da República Portuguesa.
Prós - Seria um contraste salutar ver a gritaria habitual na política portuguesa transformada numa Costa dos Murmúrios. O facto de ter sido galardoada com o Prémio D. Dinis, pelo seu romance O Vale da Paixão, contribuiria para captar votos monárquicos. Analistas políticos e exegetas literários, após prolongada investigação, considerariam premonitórios desta candidatura os famosos versos de Ricardo Reis: "Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio."
Contras - É conterrânea de Cavaco Silva: talvez os portugueses já estejam fartos de ver naturais de Boliqueime em Belém. Os minhotos protestariam contra esta discriminação sulista: o último (e único) Presidente oriundo do Minho foi Sidónio Pais, assassinado em 1918. (E)leitores adeptos de outras correntes literárias poderiam lançar, em alternativa, as candidaturas de Mafalda Ivo Cruz, Rita Ferro ou Adília Lopes.