Presidenciáveis (62)
José Manuel Durão Barroso
Alguns políticos contemporâneos assemelham-se a certas donzelas do romantismo literário: vão dizendo não para se tornarem mais apetecíveis no momento em que finalmente pronunciam a palavra sim.
José Manuel Durão Barroso, que já bebeu nos ensinamentos de Lenine, conhece bem a importância do passo dado atrás como prelúdio dos dois passos que logo se dão em frente no momento mais propício. Político de sucesso, nestes dias oscilantes, é político de geometria variável - como ele, aliás, deu abundantes provas em Lisboa e Bruxelas. Primeiro na hábil ascensão ao posto de ministro dos Negócios Estrangeiros num executivo de Cavaco Silva. Depois ao liderar uma coligação com o CDS de Paulo Portas após uma campanha eleitoral caracterizada por nada amáveis trocas de galhardetes. Em seguida, ao largar uma legislatura a meio, rumando à Comissão Europeia e deixando o País entregue a Santana Lopes, que nem era do Governo nem se tinha submetido a votos. Enfim, ao tornar a capital da União Europeia numa espécie de subúrbio de Berlim: esta foi a peculiar forma que escolheu, adaptando-a a um conceito muito sui generis de realismo político, de dar largas na idade adulta ao inflamado internacionalismo da sua juventude.
Figura reconhecida além-fronteiras, este nativo de signo Carneiro tornou-se aos 59 anos naquilo que o jornalismo português mais enaltece: uma "reserva da nação". Ao demarcar-se da corrida a Belém livrou-se desde logo do involuntário protagonismo nas charlas dominicais de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, que vinha insistindo nele como "candidato natural da direita" para o desgastar com requinte florentino.
Bastou-lhe dizer que não seria candidato a Belém: em política as fórmulas mais simples são sempre as mais eficazes. Tê-lo-á feito com reserva mental? Só o destino poderá desvendar a resposta. Por enquanto libertou-se do fatalismo das manchetes, sempre repetitivas e quase sempre desfavoráveis para quem já dispensa apresentações na vida pública.
Durão vive por estes dias na ficção de ser um português igual aos outros - algo em que ele é o segundo a não acreditar. O primeiro é Francisco Balsemão, que o designou como seu sucessor no selecto Clube de Bilderberg - versão terrena do Olimpo reservado aos deuses pluricontinentais. Deste clube até Groucho Marx aceitaria ser sócio...
Ei-lo já com pose senatorial e majestática, entre vénias pouco dissimuladas: Portugal premeia sempre aqueles que aparentemente não estão. Mesmo que estejam.
Prós - Tem currículo internacional. Foi presidente da Comissão Europeia (2004-2014), contando na altura com a bênção do Presidente Jorge Sampaio. Posou ao lado de Bush, Blair e Aznar numa célebre fotografia que correu mundo: a da cimeira dos Açores, que precedeu a invasão do Iraque pelos EUA, em 2003. Sabe que ganhará as eleições presidenciais, só não sabe quando.
Contras - George W. Bush poderia oferecer-se para fazer campanha ao lado dele. Tony Blair também. Aznar, idem aspas. Na adolescência leu com devoção o Livro Vermelho de Mao Tsé-tung, bebendo frases como esta do Grande Timoneiro: "O guerrilheiro depende do povo como o peixe depende do mar." Já não segue Mao, mas continua a seguir o cherne: há algo nele daquele peixe cantado por O'Neill, navegando na "água silenciosa de um passado" eternamente por superar.