Presidenciáveis (46)
Ana Gomes
Dêem-lhe um palco e logo o discurso lhe brota, torrencial como nos verdes anos em que era militante vermelha e para ela ninguém parecia melhor que Mao. Sobre submarinos e aviões, sobre estaleiros e sobreiros, sobre o Iraque e a Líbia, ferve a todo o momento de indignação. E vai à luta nas pantalhas, qual padeira de Aljubarrota contemporânea, erguendo os decibéis como principal arma de combate frente a qualquer antagonista de circunstância.
Aquariana de 61 anos, Ana Gomes distinguiu-se nos dias de chumbo da ditadura indonésia como defensora intransigente da causa timorense. Adoptando uma diplomacia de tacão enquanto alguns colegas mais cautos lhe recomendavam o conforto da pantufa. Subiu aos píncaros da fama enquanto o País cantava "Ai Timor" e vitoriava Xanana Gusmão como o Mandela da lusofonia.
Transitou para a militância activa no PS e mantém-se há três intranquilos mandatos como deputada no Parlamento Europeu, que lhe vai proporcionando doses de adrenalina política, como sucedeu nos controversos voos da CIA. Jamais incólume a polémicas, que com ela viajam sem cessar de um caso a outro.
Prós - Gosta de partilhar: transforma qualquer causa dela em Causa Nossa. Seria a primeira chefe do Estado português do sexo feminino - e a primeira em regime republicano - desde a morte prematura da Rainha D. Maria II, em 1853. Xanana, de quem se tornou amiga, decerto não se importaria de viajar de propósito a Portugal para abrilhantar os comícios de campanha da ex-embaixadora portuguesa em Jacarta.
Contras - A palavra voa-lhe por vezes mais veloz que o pensamento, como quando se apressou a invocar causas "sociais" para o morticínio no Charlie Hebdo. Alguns socialistas, que nunca integraram o seu clube de fãs, assumiriam sem hesitar qualquer outra opção de voto. Os cristais de Belém sofreriam eventuais danos irreparáveis nos momentos em que a voz dela se elevasse aos patamares característicos de Bianca Castafiore.