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Delito de Opinião

Presidenciais (31)

Pedro Correia, 21.01.16

 

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1

Do debate a nove entre os candidatos presidenciais na RTP, anteontem, saíram uma vencedora clara e uma derrotada óbvia.

A vencedora foi Marisa Matias. Porque teve o mérito de sacudir a modorra discursiva dos seus oponentes considerando "vergonhosa" a decisão do Tribunal Constitucional que manda devolver com retroactivos as subvenções vitalícias a deputados que lhes haviam sido retiradas excepto em situações de comprovadas dificuldades financeiras. O tribunal deu luz verde à reclamação de 30 parlamentares e ex-parlamentares - 21 do PS e nove do PSD - que entendem ter direito àquela subvenção estatal, suprimida em 2005.

Foi preciso Marisa dar um metafórico murro na mesa, naquele debate até aí tão cordato, para assistirmos a um tardio desfile de indignações entre os restantes candidatos: todos a secundaram, com maior ou menor convicção. Nenhum quis ficar mal nesta fotografia.

 

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2

Maria de Belém foi a derrotada. Logo a começar, perdeu por falta de comparência. É certo que alegou estar muito consternada pelo falecimento - ocorrido na noite anterior - de António de Almeida Santos, que a antecedeu na presidência do PS e era um dos seus principais apoiantes nesta campanha. Mas Almeida Santos, que nunca virou costas a um debate, seria certamente o primeiro a incentivá-la a comparecer onde os eleitores dela esperariam a três dias do encerramento da corrida presidencial.

Contra sua vontade, Belém acabou por ser a ausente mais presente. Porque uma fuga de informação cirúrgica, ocorrida escassas horas antes do debate e com amplos ecos nos noticiários dessa tarde, incluía o seu nome entre os 30 peticionários que reclamaram a subvenção ao Tribunal Constitucional e cuja identidade até então se desconhecia.

Foi um golpe dirigido à jugular da candidata que não ocorreu por acaso e parece confirmar o aforismo de Churchill: "Os nossos adversários estão fora do partido enquanto os inimigos estão dentro." Como faria qualquer detective, basta interrogarmo-nos quem mais tem interesse, neste preciso momento, em colocar Maria de Belém fora da corrida.

 

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3

António Sampaio da Nóvoa não foi o principal perdedor. Mas andou lá perto. Desde logo porque lhe competia fazer a diferença, naquele mesmo estúdio, para tentar atenuar a enorme distância que o separa de Marcelo Rebelo de Sousa. Mas o académico limitou-se a debitar as habituais platitudes, que não demovem nem mobilizam ninguém.

Andou mal ao colar-se à candidata do Bloco de Esquerda em serôdios protestos contra as subvenções.

Andou pior - e habilitou-se a ganhar o campeonato da demagogia - ao pronunciar-se perante os jornalistas, depois de concluído o debate, contra a manutenção da subvenção aos ex-Presidentes da República. Algo que nunca suscitou a menor controvérsia na sociedade portuguesa, por resultar da específica dignidade do cargo de Chefe do Estado reconhecida na Constituição e que abrange apenas quatro cidadãos (António Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva - este só a partir de Março).

Três deles, por sinal, seus apoiantes. Suponho que terão gostado.

 

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4

Rompeu-se um tabu em Portugal: a partir de agora voltou a ser possível criticar os acórdãos do Tribunal Constitucional, considerados sacrossantos ainda há bem pouco por um largo segmento da opinião publicada cá no burgo. Bastou para tanto a "vergonha" que Marisa Matias disse ter sentido.

É difícil não concordar com ela, embora indignação seja a expressão mais correcta para exprimir o que muitos de nós sentimos.

Pela minha parte, fiquei também perplexo. Por verificar que, uma vez mais, os doutos magistrados do Constitucional não resistiram à tentação de entrar em concorrência aberta com os políticos no espaço mediático. Nenhum deles poderia ignorar que a divulgação deste acórdão na recta final da campanha presidencial iria condicionar todos os debates e produzir os efeitos que produziu. Estilhaçando desde logo as já escassas perspectivas eleitorais de Maria de Belém, principal vítima deste envolvimento claro dos juízes na política.

Mais um. Como o tabu foi quebrado, podem enfim ser criticados. Já era tempo.

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