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Delito de Opinião

Premiando sempre os mesmos

Pedro Correia, 17.07.20

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Foto: Nuno Ferreira Santos / Público

 

Mário Cláudio acaba de vencer pela terceira vez o Grande Prémio de Romance e Novela instituído em 1982 pela Associação Portuguesa de Escritores. Pelo romance Tríptico da Salvação. Não discuto o mérito da obra, que desconheço. Interrogo-me apenas se faz sentido atribuir três vezes mais prémios a Mário Cláudio do que (por exemplo) a José Saramago, que só foi distinguido em 1991, com o Evangelho Segundo Jesus Cristo. E, em complemento, questiono se este passou a ser um prémio de consagração ou de carreira, de que os jovens romancistas ficam quase por sistema excluídos. Não era assim quando Mário Cláudio o venceu pela primeira vez, em 1984, com Amadeo. Mas já seria em 2014, quando voltou a receber o prémio, por Retrato de Rapaz

Entre os autores duas vezes contemplados com este Grande Prémio figuram Vergílio Ferreira (1987 e 1993), António Lobo Antunes (1985 e 1999), Agustina Bessa-Luís (1983 e 2001), Maria Gabriela Llansol (1990 e 2006) e Ana Margarida de Carvalho (2013 e 2016). Mas só Mário Cláudio mereceu até agora um terceiro tributo. Quer isto dizer que é ele o romancista mais digno de mérito em Portugal? Duvido muito. Dir-se-á antes que é o típico escritor que escreve para ser premiado - e neste campo tem alcançado assinalável sucesso, como se comprova pelo facto de também haver recebido o Prémio Pessoa, em 2004. Honra doméstica que Saramago - o nosso único Nobel da Literatura e o mais universal dos escritores portugueses desde Fernando Pessoa - nunca mereceu. 

Saramago devia ter um problema qualquer com os júris literários nacionais, que costumam ser atacados pelo vírus da endogamia. Só isso explicará que os seus melhores romances nunca tenham merecido o Grande Prémio da APE. Refiro-me logo ao da primeira edição, que distinguiu Balada da Praia dos Cães, título menor na obra de José Cardoso Pires, em vez do Memorial do Convento. E também à de 1984, que consagrou Mário Cláudio pela primeira vez, esquecendo O Ano da Morte de Ricardo Reis. E à de 1995, que entre o lapidar Ensaio Sobre a Cegueira e A Casa da Cabeça de Cavalo, de Teolinda Gersão, optou por este. 

Sinal de menoridade cultural num país tornado ainda mais diminuto pela irrelevância numérica das suas elites literárias? Se não é, parece. Mas também não é assim, premiando sempre os mesmos com tão cansativa redundância, que estas elites se alargarão.

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