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Delito de Opinião

Pós-eleitoral (6)

Pedro Correia, 29.05.14

 

Olhar para os 31,5% do PS contra a direita unida (PSD+CDS) no escrutínio para o Parlamento Europeu e ver neles um sinal imperioso para fazer rolar cabeças no partido vencedor é passar ao lado do essencial. Além de injusto para António José Seguro: ele foi um dos dirigentes socialistas que mais se aguentaram em toda a Europa, obtendo o terceiro melhor resultado para a sua família política nos Estados da eurozona.

Encaremos os factos: a esquerda socialista venceu eleições em apenas sete dos 28 países que integram a União Europeia: Eslováquia, Itália, Lituânia, Malta, Portugal, Roménia e Suécia.

Só em Malta, Itália e Roménia a votação nos socialistas foi superior à do PS.

 

Vejamos os resultados:

Alemanha - Partido Social Democrata: 27,3%

Áustria - Partido Socialista Austríaco: 24%

Bélgica - Dois partidos socialistas (francófono e flamengo): 19%

Bulgária - Partido socialista KB: 18,5%

Chipre - Partido Democrático: 10,8%

Croácia - Partido Social Democrata: 30%

Dinamarca - Partido Social Democrata: 19,1%

Eslováquia - Partido social-democrata SMER: 24%

Eslovénia - Partido Social Democrata: 8%

Espanha - Partido Socialista Operário Espanhol: 23%

Estónia - Partido Social-Democrata: 13,6%

Finlândia - Partido Social Democrata: 12,5%

França - Partido Socialista: 14%

Grécia - Oliveira (coligação de PASOK e aliados): 8%

Holanda - Partido Trabalhista: 9,4%

Hungria - Partido Socialista Húngaro (MSZP): 10,9%

Irlanda - Partido Trabalhista: 5,3%

Itália - Partido Democrático: 40,8%

Letónia - Partido Social Democrata: 13%

Lituânia - Partido Social Democrático da Lituânia: 17,3%

Luxemburgo - Partido Operário Socialista Luxemburguês: 21,6%

Malta - Partido Trabalhista: 53%

Polónia - Aliança Democrática de Esquerda: 9,4%

Portugal - Partido Socialista: 31,5%

Reino Unido - Partido Trabalhista: 25,4%

República Checa - Partido Social Democrata Checo: 14,2%

Roménia - Partido Social Democrata: 37,6%

Suécia - Partido Social Democrata: 24,5%

 

 

Em pano de fundo, bem expresso nestes números, está um modelo político em profunda crise: a social-democracia europeia. O PS de François Hollande fica reduzido a quase metade da percentagem da Frente Nacional. Milleband, o wonder boy do trabalhismo pós-Blair, queda-se pelos 25% no Reino Unido. O outrora poderoso PSOE afunda-se no pior resultado de sempre em Espanha, sem nada capitalizar de dois anos de feroz oposição ao Governo conservador de Rajoy. Até o SPD alemão não ultrapassa uns exíguos 27%.

Como escreveu Ana Sá Lopes no jornal i, numa excelente análise às europeias, "a social-democracia não serviu para nada durante a grande recessão, não se constituiu como alternativa a nada e o falhanço de Hollande é só o mais espectacular de todos".

 

Poderia a lista encabeçada por Francisco Assis ter feito melhor num cenário de dispersão de votos, potenciador das candidaturas que se esgotam no protesto?

Dificilmente.
É certo que Ferro Rodrigues alcançou 44% nas europeias de 2004. Mas os tempos eram outros, à esquerda e à direita. Alguém imagina um Marinho Pinto emergir então com a força que agora obteve? Alguém supunha que um grupo inorgânico como o Podemos, fenómeno emanado das redes sociais, surgisse como quarta força mais votada em Espanha e terceira em Madrid, como agora aconteceu? E em qualquer outro contexto Beppe Grillo chegaria a obter um quarto dos votos em Itália?


Somos sebastianistas: pensamos sempre que um indivíduo faz a diferença. Mas neste caso não faz. O problema é mais grave e mais fundo: as duas principais famílias políticas europeias estão gravemente feridas, talvez de forma irremediável, enquanto os egoísmos nacionais regressam em força com a sua oratória guerreira.

As forças extremistas e eurófobas ganham passo à medida que as áreas políticas centrais vêem o seu espaço diminuir drasticamente. Em Espanha, pela primeira vez, os dois principais partidos somados já totalizam menos de 50% dos votos expressos.

A cura, se existir, não virá de nenhum homem providencial e "carismático", de toga messiânica, dançando um De Profundis em valsa lenta.

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