Pós-eleitoral (6)
Olhar para os 31,5% do PS contra a direita unida (PSD+CDS) no escrutínio para o Parlamento Europeu e ver neles um sinal imperioso para fazer rolar cabeças no partido vencedor é passar ao lado do essencial. Além de injusto para António José Seguro: ele foi um dos dirigentes socialistas que mais se aguentaram em toda a Europa, obtendo o terceiro melhor resultado para a sua família política nos Estados da eurozona.
Encaremos os factos: a esquerda socialista venceu eleições em apenas sete dos 28 países que integram a União Europeia: Eslováquia, Itália, Lituânia, Malta, Portugal, Roménia e Suécia.
Só em Malta, Itália e Roménia a votação nos socialistas foi superior à do PS.
Vejamos os resultados:
Alemanha - Partido Social Democrata: 27,3%
Áustria - Partido Socialista Austríaco: 24%
Bélgica - Dois partidos socialistas (francófono e flamengo): 19%
Bulgária - Partido socialista KB: 18,5%
Chipre - Partido Democrático: 10,8%
Croácia - Partido Social Democrata: 30%
Dinamarca - Partido Social Democrata: 19,1%
Eslováquia - Partido social-democrata SMER: 24%
Eslovénia - Partido Social Democrata: 8%
Espanha - Partido Socialista Operário Espanhol: 23%
Estónia - Partido Social-Democrata: 13,6%
Finlândia - Partido Social Democrata: 12,5%
França - Partido Socialista: 14%
Grécia - Oliveira (coligação de PASOK e aliados): 8%
Holanda - Partido Trabalhista: 9,4%
Hungria - Partido Socialista Húngaro (MSZP): 10,9%
Irlanda - Partido Trabalhista: 5,3%
Itália - Partido Democrático: 40,8%
Letónia - Partido Social Democrata: 13%
Lituânia - Partido Social Democrático da Lituânia: 17,3%
Luxemburgo - Partido Operário Socialista Luxemburguês: 21,6%
Malta - Partido Trabalhista: 53%
Polónia - Aliança Democrática de Esquerda: 9,4%
Portugal - Partido Socialista: 31,5%
Reino Unido - Partido Trabalhista: 25,4%
República Checa - Partido Social Democrata Checo: 14,2%
Roménia - Partido Social Democrata: 37,6%
Suécia - Partido Social Democrata: 24,5%
Em pano de fundo, bem expresso nestes números, está um modelo político em profunda crise: a social-democracia europeia. O PS de François Hollande fica reduzido a quase metade da percentagem da Frente Nacional. Milleband, o wonder boy do trabalhismo pós-Blair, queda-se pelos 25% no Reino Unido. O outrora poderoso PSOE afunda-se no pior resultado de sempre em Espanha, sem nada capitalizar de dois anos de feroz oposição ao Governo conservador de Rajoy. Até o SPD alemão não ultrapassa uns exíguos 27%.
Como escreveu Ana Sá Lopes no jornal i, numa excelente análise às europeias, "a social-democracia não serviu para nada durante a grande recessão, não se constituiu como alternativa a nada e o falhanço de Hollande é só o mais espectacular de todos".
Poderia a lista encabeçada por Francisco Assis ter feito melhor num cenário de dispersão de votos, potenciador das candidaturas que se esgotam no protesto?
Dificilmente.
É certo que Ferro Rodrigues alcançou 44% nas europeias de 2004. Mas os tempos eram outros, à esquerda e à direita. Alguém imagina um Marinho Pinto emergir então com a força que agora obteve? Alguém supunha que um grupo inorgânico como o Podemos, fenómeno emanado das redes sociais, surgisse como quarta força mais votada em Espanha e terceira em Madrid, como agora aconteceu? E em qualquer outro contexto Beppe Grillo chegaria a obter um quarto dos votos em Itália?
Somos sebastianistas: pensamos sempre que um indivíduo faz a diferença. Mas neste caso não faz. O problema é mais grave e mais fundo: as duas principais famílias políticas europeias estão gravemente feridas, talvez de forma irremediável, enquanto os egoísmos nacionais regressam em força com a sua oratória guerreira.
As forças extremistas e eurófobas ganham passo à medida que as áreas políticas centrais vêem o seu espaço diminuir drasticamente. Em Espanha, pela primeira vez, os dois principais partidos somados já totalizam menos de 50% dos votos expressos.
A cura, se existir, não virá de nenhum homem providencial e "carismático", de toga messiânica, dançando um De Profundis em valsa lenta.