Portugalidade
(A Norte do Trancão [1])
Muitas vezes se ouvem lamentos sobre a perda das tradições, dos férreos valores que sustentam a nossa virtuosa portugalidade. Mas há saudáveis excepções, que nos acalentam a esperança na consistência do futuro...
Estou em trânsito entre capitais de distrito, gentileza de alguém que se lembrou de me convidar para uma sessão lectiva ("dar uma aula" é uma formulação ideológica tão falsária que sempre a refuto, mesmo que neste caso seja literalmente verdadeira). Enfim, para o efeito acabo de apanhar um transporte rodoviário (pelo recomendável preço de 8,99 euros, bem preferível ao do TGV). O autocarro / machimbombo parece um Expresso de Babel, com a habitual predominância do pidgin-english.... Sinal destes tempos, para alguns basto incomodativos.
Mas lusitano resiliente é o motorista, dando tratos de polé aos passageiros mais jovens, do "tu" altivo ao sarcasmo ríspido, que os atrapalham. E cioso lusófono, quase perdigotando face às pequenas dúvidas dos ignorantes da nossa bela língua, qual evidente e enfastiado "ide para a vossa terra!", E que entretanto se desenrasquem quanto a horários, carreiras, destinos e mesmo lugares disponíveis. E fiquemos cientes de que não está só, o seu colega do autocarro prévio era ainda mais épico face à amálgama atarantada de maçadores clientes.
A este meu condutor mostro-lhe o bilhete. Olha para mim, acena-me com a cabeça para que entre eu, com um laivo de ricto sorridente, até afável. Nisso quase chegando ao "boa tarde". Pois "qu'isto entre nós é diferente", percebo-o. E sigo sossegado para norte do Trancão, assegurado que os pátrios princípios, emanados das terras de xisto, carvalhos e courelas, continuam a enformar a nossa alma.