Porto, Portugal, República Portuguesa
Anteontem escrevi aqui um postal estranhando que toda a gente tenha de repente começado a chamar "Países Baixos" à Holanda - pelos vistos a mais recente palavra interdita do Índex dos novos tempos.
Esta moda inunda todo o discurso mediático, escrito e verbal. Como se dizer Holanda fosse pecado.
A minha perplexidade deveu-se a isto: percebi que tal designação se havia tornado proibida quase da noite para a manhã. Ao ouvir transmissões desportivas, com narradores a repetirem "Países Baixos" mais de cem vezes num simples jogo de futebol. Como não há gentílico adequado à nova terminologia e o vocábulo "holandês" está igualmente interdito, todos repetem "Países Baixos" até à náusea. Podia ser uma expressão bonita, mas não. Dificilmente haverá algo tão inadequado para designar um país, à luz do nosso imaginário onomástico.
Pus-me a pensar nesta aparente irrelevância e concluí que vivemos cada vez mais mergulhados em novos interditos e numa rede interminável de microcensuras. A tal ponto que nem damos conta. E quase sempre sem entendermos porquê.
Conheço vários holandeses: nunca me apercebi que sentissem o mais leve incómodo por serem designados assim. Dizem-me algumas almas mais zelosas, nesta caixa de comentários, que a mudança se justifica para evitar a confusão entre a Holanda - que é apenas uma parcela do reino neerlandês - e o Estado que faz fronteira com a Bélgica e a Alemanha.
A explicação confunde mais do que esclarece. Desde logo, o nome oficial desse país é Reino dos Países Baixos. Habitado por... holandeses. Esqueceram-se de inventar um gentílico para adequar uma coisa à outra.
Depois, se a moda pega, resta-nos concluir que andamos todos desactualizados. Pois deixemos também de chamar Suíça à Confederação Helvética - nome oficial desse país. E de chamar Grécia à República Helénica - outro nome com chancela oficial.
Os suíços serão helvéticos, os gregos serão helénicos.
E os holandeses? São... holandeses.
Ainda pela mesma lógica, qualquer dia Portugal deixa de se chamar Portugal. Pois deriva de Porto, que é apenas uma pequena parte de Portugal.
Portugal, aliás, não se chama Portugal. Chama-se oficialmente República Portuguesa.
Porque não haveremos então de denominá-la assim na linguagem corrente?
ADENDA: Uma palavra de merecido elogio ao Luís Freitas Lobo, que hoje, comentando em directo o jogo Holanda-Áustria na Sport TV, utilizou sempre a palavra interdita, rejeitando o Índex. Espero que não seja penalizado por isso.