Por ocasião da data da Restauração *
Na passada sexta-feira celebramos o Feriado da Restauração. No primeiro de Dezembro de 1640 restauramos a nossa independência da coroa espanhola e reassumimos o controle do nosso destino. Portugal e Espanha são hoje países muito diferentes do que eram então. Importa também lembrar que desde a sua génese, a natureza política da unidade dos dois países ibéricos foi sempre muito distinta. Em contraste com a nossa homogeneidade, Espanha é um estado multinacional, que alberga dentro de si diferentes identidades, línguas e sensibilidades. Nesse sentido, podemos dizer que de entre todos os povos ibéricos que assim o desejassem, os portugueses foram os únicos que alcançaram a pretensão de não serem espanhóis. Olhando para o que por lá se passa nestes dias e para as confusões que a nossa conquista de 1640 nos poupa, encontraremos fortes motivos para celebrar.
Alargando o olhar, numa actualidade recheada de lutas e reivindicações protagonizadas por movimentos identitários, o caso português é uma notável excepção. Com as fronteiras terrestres mais antigas do mundo, Portugal, uma nação antiga, tem, juntamente com o Brasil, quase o exclusivo dos casos em que a sua língua coincide rigorosamente com o seu território, ou seja, saindo do país em qualquer direcção, sai-se igualmente do espaço da língua nacional. Na Europa isso não acontece em nenhum outro país. Fala-se francês na Bélgica, mas não na Córsega, fala-se italiano na Suíça, mas não na Sardenha, fala-se alemão na Alemanha, mas também Áustria, em algumas regiões da Finlândia a língua dominante é o sueco e fala-se finlandês numa parte da Rússia, fala-se grego em partes da Albânia e também no Chipre. Os exemplos seguem para fora do mapa da Europa.
Não podemos dizer que este estado de excepção de que beneficiamos seja de nosso exclusivo mérito, pois foi a geografia que nos permitiu essa graça. Localizados onde a terra acaba e o mar começa, nos nossos longos séculos de história fomos apenas invadidos pelas tropas napoleónicas que por cá andaram pouco tempo. Pelo contrário, no centro e leste da Europa, inúmeras cidades já pertenceram a diferentes reinos e impérios, levando a que por aí coexistam diferentes credos, línguas e alfabetos.
Enquanto pilar identitário, a língua portuguesa tem ainda outras particularidades interessantes. Todos os países que a partilham, são banhados pelo mar e todos eles são rodeados por países de línguas diferentes, o que me permite imaginar a língua portuguesa como um arquipélago, que só pode ser ligado pelo mar.
Num mundo em ebulição, em que se recorre à força para tentar impor identidades, a homogeneidade da identidade dos portugueses é um tremendo factor de estabilidade que nos poupa a imensos desassossegos e sobressaltos e é também isso que celebramos neste primeiro de Dezembro.
Brindemos então à nossa relativa independência e à nossa sólida identidade.
* Texto publicado no jornal O Portomosense