Petiscos inesquecíveis
Há muitos muitos anos, já tinha eu deixado de ser uma criança, era casada, trabalhava e tinha uma criança minha, devia rondar os meus 24 anos (o que contradiz a minha frase inicial, já que nos dias que correm, ter 24 anos é considerado ser ainda uma criança), quando chegou mais um 26 de Setembro, que tinha a particularidade de ser o dia em que a Joceline e o Lars celebravam os seus aniversários e de ser também o dia em que mudava a hora para a hora de Inverno.
Neste dia, todos os anos, havia sempre festa no quintal da casa de Caxias, onde a Line, o Dietmar, o Lars, a Katryn e o Markus moravam.
Este ano o tema era o Hawaii e foi rir do início ao fim, pelas muitas plantas e colares de flores, piscinas de plástico cheias de água, boias de todas as cores, cocos, barris de cerveja à pressão, bebidas malucas com gomos de frutas e chapelinhos de papel, muitas sangrias de muitas cores e travessas cheias com saladas várias e frutas malucas das quais nunca tinha ouvido falar, mas o Dietmar sim, e, mais estranho ainda, sabia precisamente onde as encontrar.
Tínhamos então uma espécie de Luau e, surpresa das surpresas, o prato principal era porco assado num forno feito no chão com umas grades de ferro, carvão e madeiros que, ao que parece o Dietmar preparou a semana inteira. Fez o seu hocus pocus com tempero não revelado, deixou ficar tudo em brasa e colocou em cima da grade o porco embrulhado em grandes folhas de papel de alumínio. Depois pôs-lhe em cima uma chapa furada, mais brasas, outra chapa e tapou com terra. Segundo reza a “Lenda do Leitão" (que o não era, por ser um grande porco) ou "Porco no Buraco", como o Dietmar dizia, o preparado começou às 8 horas da manhã, para estar bom para o jantar, coisa que também me custa a acreditar, porque esta malta nunca se levantava antes das 10, 11 horas e faziam então a primeira refeição à qual chamavam brunch. A primeira vez que ouvi o anglicismo e o seu significado foi com estes meus primos, no Algarve, anos antes.
A saída do porco do buraco do chão foi incrível. Já com local próprio para depositar o bicho, sacaram-no quatro homens, cada qual com uma pá, dois de cada lado. Procedeu-se à remoção da folha de alumínio e aí é que foi. O cheirinho era divino demais para aquela proveniência de pata fendida. Com a grande tesoura de podar, retalhou-se o animal, que estava tão tenro e tão saboroso que não há palavras para o descrever. Depois de provar um bom naco, aproveitei o que poucos queriam por “fazer mal”, a pele, que, estaladiça e sumarenta, era pura ambrósia e foi a melhor que comi até hoje.
Não faço ideia da quantidade de calorias ou decilitros de colesterol que ingeri naquela noite, mas com 24 anos não se pensava muito nessas coisas. E depois havia as saladas, as frutas e as bebidas para diluir os excessos, e eu, menos pacífica e mais caribeña de nenhum costado, devo ter bebido uns litros de Cuba Libre.
Hoje, tenho aqui um pastelinho de bacalhau, uma salada de alface iceberg com tomates cereja e duas gelatinas, tudo acompanhado por uma garrafa de água reserva del cano... vai ter de servir.