Petiscos inesquecíveis
Papas de sarrabulho dos Rodeios
Como já aqui contei há algum tempo, era costume o meu pai e a "família" comprarem um porco e pagarem o sustento, Tio Daniel e a Tia Maria Adelaide alimentavam-no e tratavam do bácoro até ter o tamanho ideal e quando chegava a altura da matança, ia o grupo inteiro em romagem para Rodeios, uma pequena aldeia de xisto que fica ali para as bandas das Portas de Ródão.
Nunca vi matar um porco e fugia para não lhe ouvir o aflitivo grunhir. Quando o silêncio e a coragem das minhas pernas bambas me permitiam regressar, já a panela de água a ferver tinha recolhido o sangue, que, coagulado pela fervura, apresentava uma cor escura castanho-encarniçada e uma textura sólida e sarrabulhenta. Esse sangue ainda quente era partido e distribuído pelos presentes, que comungavam daquele ritual de saúde e fartura, comendo o pouco que lhes calhava acompanhado de vinho novo, sendo o resto preparado pela Tia Maria Adelaide, com entremeada fresca e outras carnes do aviário, enchidos, farinha de milho e os temperos da cozinheira, nos quais ela incluia limão que me pedia para ir buscar à loja, ao fundo da escada das traseiras. Ficava assim uma espécie de sopa grossa e grumosa, mas tão boa! Comia-se à colher e, se acompanhada com pão beirão caseiro, ficava saborosa como uma espécie de foie gras dos pobres.
Voltei a comer em Braga, em Barcelos, em Ponte da Barca, em Ponte de Lima, em Arcos de Valdevez... muito bons sarrabulhos, ou não fossem do Minho, mas nenhum como aquele.
É uma daquelas receitas que não se tenta replicar em casa, pela carestia de bons ingredientes e pelas... calorias. Papas de sarrabulho light é uma espécie de anedota que daria para rir imenso se não fosse bastante triste. Se eu comesse agora uma tigela daquelas da Tia Maria Adelaide, cheia de papas de sarrabulho, os triglicerídeos, diabetes, colesteróis e outras "coisas móis", apareceriam logo com o garrote lípido para nos sufocar e fazer pensar que as comidas boas são para espreitar e satisfazer todos os nossos sentidos, excepto o paladar. Ah, pode sempre provar! Provar? A minha mãe é que levava os outifits à prova das senhoras do Restelo. Eu queria mesmo era comer.