Perceber Tancos
O caso de Tancos resiste a qualquer esforço taxonómico. Tem um lado ridículo, de ópera bufa, demasiado absurdo para ser verdade. Tem ainda um outro lado, de total ausência de responsabilidade institucional, excessivamente gravoso para que tenha ocorrido num Estado de Direito democrático.
Olhamos para os factos demonstrados e custa a acreditar. Vemos a facilidade com que se entra clandestinamente em instalações militares para roubar armas e explosivos, facto ao qual se junta a pièce de résistance cómica: o material militar foi transportado num carrinho de mão por indivíduos com apodos artísticos como “O Fechaduras”, “O Pisca” e “O Caveirinha”. Nenhuma obra de ficção se atreveria a algo tão patético.
Percebemos também que houve uma operação de encobrimento do crime, o que sugere sofisticação e destreza típicas de um livro de Graham Greene, mas que na verdade foi de um amadorismo confrangedor.
Percebemos ainda que houve um ministro da Defesa mitómano e com sintomas de deslumbramento pelo poder que muito provavelmente deu cobertura activa ao espetáculo de vaudeville.
Percebemos agora que o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro, um apparatchik que nunca leu Orwell, estava ao corrente da situação. Optou por participar tacitamente no encobrimento, mas não se cobriu de vergonha quando o facto se tornou público: apresenta-se outra vez como candidato à Assembleia da República.
Por fim, estamos à espera de perceber se o Primeiro Ministro foi conivente, ou se simplesmente é possível que um esquema desta dimensão ocorra sem que o chefe do Governo se aperceba. Tanto a hipótese A como a B deveriam ter consequências sérias.
Como se tudo isto não bastasse, há um rol de alucinados, onde pontificam José Sócrates, Vasco Lourenço e uma parte do Partido Socialista, que no meio de tanta falta de decoro – para não falar na montanha de crimes – encontra em Tancos uma urdidura tecida para prejudicar a geringonça e o PS.
Isto não se inventa.