Pequena reflexão sobre descontentamento e pessimismo (1)
Uma discussão em Berlim
Nenhuma crise é eterna e os conflitos são evitáveis. Podemos resolver problemas se pensarmos com realismo e, mesmo que não seja possível resolver todos os nossos problemas, bater com a cabeça na parede é que certamente não será solução. E, no entanto, os pessimistas que dominam o espaço público usam o método habitual de olhar para a realidade imaginando apenas o pior cenário, mas numa configuração impenetrável ao bom senso.
O pessimismo leva a uma rigidez de pensamento que paralisa decisões que deviam ser evidentes. Há exemplos históricos. A teimosia de insistir num erro não produz a repetição exacta dos acontecimentos, mas cria situações recorrentes e padrões que, com a passagem do tempo, nos parecem simplesmente estúpidos.
No livro clássico The Guns of August, a historiadora americana Barbara Tuchman contou em detalhe um episódio que podia ter evitado a Primeira Guerra Mundial ou que podia ter alterado profundamente o curso dos acontecimentos, decidindo talvez o conflito a favor da Alemanha. É um grande modelo do pessimismo em acção.
A 1 de Agosto de 1914, a máquina militar das potências europeias estava em andamento. A complexidade da mobilização obrigava os generais a defender a urgência da declaração de guerra. A crise diplomática em torno do atentado de Sarajevo e do ultimato austríaco à Sérvia estivera a crescer de tom nas semanas anteriores, mas a guerra não era ainda inevitável; os alemães tinham planos militares detalhados, que previam aniquilar primeiro os franceses, num movimento rápido que exigia a invasão da Bélgica e, apenas numa segunda fase, permitia combater os russos. Este plano deixava a frente leste desguarnecida e implicava a entrada do Reino Unido na guerra, devido à violação da neutralidade belga.
A 1 de Agosto, no próprio dia em que Berlim declarou guerra à Rússia, o kaiser Guilherme II teve conhecimento de uma mensagem ambígua dos ingleses e propôs ao seu chefe de estado-maior, Von Moltke, uma súbita mudança de estratégia: não invadir a Bélgica, a abstenção da ofensiva no ocidente e a concentração das tropas a leste; em vez de sete exércitos contra a França e um contra a Rússia, haveria cinco exércitos alemães contra a Rússia e três em posições defensivas no ocidente. Os ingleses não teriam motivo para intervir e, mesmo que a França atacasse, era possível aniquilar a Rússia a tempo e, depois, concentrar forças contra os franceses.
Ao ouvir isto, Von Moltke teve um ataque de fúria e respondeu que a proposta era impossível de concretizar. O general disse que a mobilização se transformaria num caos, ‘não pode ser feito’, explicou. “Moltke usou esta frase rígida, a base para todos os grandes erros alemães, a frase que desencadeou a invasão da Bélgica e a guerra submarina contra os Estados Unidos, a inevitável frase que surge quando os planos militares ditam a política”, escreveu Barbara Tuchman*.
Segundo a historiadora, soube-se mais tarde que a estratégia alemã podia ter sido alterada, que havia planos para lidar primeiro com a Rússia, planos esses que colocavam os comboios na direcção oposta e que teriam instalado os exércitos em campos de batalha inteiramente diferentes. A França teria atacado, mas Londres ficava provavelmente fora do conflito; a Rússia teria sido derrotada sem conseguir grandes vitórias contra os austríacos. Depois, as potências centrais podiam desembaraçar-se facilmente dos franceses. A hesitação de Guilherme podia ter mudado o mundo, mas deparou-se com a teimosia fatalista do seu chefe de Estado-maior.
Não sendo pessoa brilhante, o kaiser compreendeu mesmo assim que os ingleses estavam divididos em relação ao seu papel no conflito iminente e que a invasão da Bélgica (sem a qual aquele plano militar alemão não funcionava) ditaria a participação inglesa. Londres tinha planos detalhados para enviar um contingente para França, mas apenas em caso de violação da neutralidade belga, pelo que no seu caso os planos não ditavam a política: a intervenção inglesa dependia da atitude alemã.
Havia outro problema: em 1914 tinha sido criado um clima de inevitabilidade da guerra e os protagonistas não se conseguiram livrar deste fatalismo, transformando-se em marionetas incapazes de pensar, oscilando entre desespero e depressão. Esta mentalidade não existia apenas nos círculos que definiam a estratégia, mas instalara-se na opinião pública, onde as vozes que remavam contra a maré foram sendo neutralizadas pela lógica imperial de que os ganhos de um eram a perda do outro.
As pessoas tinham a noção de que o mundo estava em mudança, mas não conseguiam ajustar-se a essa mudança rápida, ou assim pensavam, pois uma espécie de desalento dominava a sociedade e a única saída parecia ser a de avançar na direcção do abismo.
*The Guns of August, Barbara Tuchman, pág 88