Penso rápido (74)
Não admira que muitos socialistas, das mais diversas sensibilidades internas, salientem o óbvio: no actual elenco parlamentar não estão reunidas condições objectivas para o PS impor as regras do jogo, como se fosse o dono da bola. Sabem que um partido só com 86 deputados não pode ditar as regras à força política que obteve 107 mandatos no Parlamento. Não estamos perante uma diferença mínima: há 21 deputados de diferença. Mais do que todo o grupo parlamentar do BE, que agora atingiu a maior expressão de sempre.
Um putativo governo PS, para aspirar à maioria tangencial na AR, precisaria de somar aos seus 86 deputados os 19 do BE mais os dois dos Verdes eleitos à boleia do PCP. E mesmo assim ficaria empatado com PSD+CDS. Precisaria do Partido dos Animais para desempatar. Os comunistas, claro, permanecerão onde sempre ficaram: como força de protesto, correndo em pista própria. "Contarão com a oposição do PCP", já advertiu o dirigente comunista Jorge Cordeiro, referindo-se a todas as medidas que lesem "os interesses dos trabalhadores" na óptica da Soeiro Pereira Gomes. Nada menos imprevisível...
Num cenário desses (o maior brinde político a que poderia aspirar Passos Coelho a curto prazo), quantas entrevistas Costa deveria dar ao Financial Times, à France Presse e à Reuters para comunicar à Europa que esta improvável coligação PS+BE+PEV+PAN constituiria um governo firme, coeso e sólido?
Como disse Mário Soares no livro-entrevista a Maria João Avillez ao recordar a crise política de Abril de 1987, quando PS, PRD e PCP se juntaram para derrubar o executivo minoritário de Cavaco Silva (derrube que conduziu a eleições antecipadas, seguidas de oito anos de maioria absoluta do PSD), "a expectativa do poder cega os políticos que os deuses querem perder".