Pensamento da semana
Agarro em meia-dúzia de jornais e revistas nacionais. Leio os títulos, depois percorro a actualidade política, um ou outro artigo de opinião, e paro. As desgraças são as habituais, as preocupações as corriqueiras. A globalização da desgraça é, há muito, um fenómeno quotidiano. O COVID-19 está aí para prová-lo. Por aqui nada de novo. Todavia, há algo mais que me faz reflectir.
Três tipos resolveram andar a 300 km/hora, colocam em risco a sua própria vida e a de todos os outros que circulam pelas mesmas vias, fazem um vídeo para mostrar o feito, e acabam em pacote de plástico. No dia seguinte fazem-lhes uma homenagem, interrompendo a circulação numa das artérias mais movimentadas de Lisboa com a compreensão da polícia.
Na Assembleia da República, de um momento para o outro e sem que tal constasse do contrato eleitoral, os deputados do PS e de mais alguns partidos aprovam cinco projectos de lei visando a despenalização da eutanásia. Sou sensível à questão. Tenho visto muita gente sujeita a um sofrimento absolutamente insuportável, gente cuja situação não se resolve com cuidados paliativos, cuidados que para algumas instituições não são mais do que uma forma de aumentarem os seus proveitos económicos, como já tive ocasião de infelizmente testemunhar. Não tenho uma posição definitiva, tenho muitas dúvidas e não sou insensível nem ao sofrimento nem ao direito de escolha. A questão, concedo, era suficientemente melindrosa, de um ponto de vista médico, ético e moral para ter suscitado um debate atempado, informado e distanciado. Mais a mais tendo merecido pareceres em sentido contrário da Ordem dos Médicos e do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Um ministro, confrontado com a rejeição dos seus planos por parte de alguns dos interessados que a lei obriga a levar em consideração, do alto da sua cátedra diz que o problema se resolve mudando a lei. Isto é, acomodando a lei à sua vontade, esquecendo que esta deve ser geral e abstracta, e não para regular casos específicos.
Um ex-primeiro-ministro é convidado para apresentar um livro. Na presença do autor que o convidou revela que o convidante não tinha sido a sua primeira escolha para comissário europeu. Tirando a óbvia deselegância, desqualificou o autor perante a plateia.
Não vale a pena continuar.
A lucidez de Vasco Pulido Valente já cá não está para comentar estes dias que vamos vivendo. Como também não estão o Víctor Cunha Rego e o Manuel António Pina. Para desgraça nossa foram poupados.
O que, apesar de tudo, não me inibe de continuar a olhar para tudo isto que se passa entre nós (vós), e tudo o mais que se vai passando noutras latitudes, com um sentimento de estupefacção.
Há muito que saímos da sociedade do risco de Beck. A globalização da miséria e da desgraça são hoje uma constante para a qual parece não haver organização possível.
Mas o que mais me aflige, confesso, é a forma como a estupidez se globaliza. Olhando para nós, aparentemente sem solução, é caso para dizer que a estupidez já comanda a vida.
Este pensamento acompanhou o DELITO durante toda a semana.