Pela extinção das juventudes partidárias
O que aconteceu na passada sexta-feira no Parlamento português, com a aprovação do referendo sobre a co-adopção, em virtude de uma iniciativa da JSD e dos seus deputados, pondo assim termo a um processo legislativo regular e ponderado que há meses vinha sendo conduzido naquela casa, volta a chamar a atenção para a necessidade dos partidos políticos reequacionarem a existência e funcionamento das suas organizações juvenis. Com uma ou outra nuance gozam todas de idêntico estatuto junto dos partidos, os quais lhes atribuem, como que por "direito próprio", e apenas pelo facto de serem jovens, lugares nas listas e na respectiva quota de deputados a eleger.
Conhecendo-se o papel que até hoje tem sido desempenhado por essas vanguardas "iluminadas" da juventude, designadamente no contributo que prestaram para a ascensão ao poder de movimentos e partidos totalitários, cimentando a permanência nesse mesmo poder de ditadores e protegendo, enquanto instrumento do poder, as práticas mais abjectas dos regimes que apoiavam, sempre me questionei sobre a verdadeira utilidade das chamadas "jotas", qualquer que seja a respectiva designação ou partido de que sejam extensão.
Coloco a questão de forma aberta e sem qualquer parti pris, e por isso mesmo trago-a a este fórum disponível como estou para discuti-la e ser criticado e contrariado pelas ideias que defendo, sabendo que desde muito novo acompanhei a vida política do meu país, segui atentamente e de perto a formação de alguns partidos e a sua vida em democracia, e acabei um dia, depois de muito maduro politicamente, por me filiar naquele que eu entendia ser o que estava mais próximo das minhas convicções, sem que alguma vez - e contra o conselho de alguns - me tivesse primeiramente filiado numa organização política de juventude.
Muitos dos que então me criticaram e que na altura se filiaram e militaram nessas organizações tiveram um percurso académico e profissional semelhante ao meu até ao momento em que o peso da sua filiação juvenil se começou a fazer sentir dentro dos partidos que integraram, aí já com nítida influência, como se veria, no percurso profissional e político que se seguiu. Muitos interromperam os percursos académicos para se profissionalizarem na política antes mesmo de terem adquirido as bases e os conhecimentos mínimos, sublinho, mínimos, que os recomendassem para o exercício de quaisquer funções públicas. Em muitos casos os resultados do exercício dessas funções foi, sem pieguices, desastroso.
A questão ganha ainda mais acuidade quando olhamos para a quantidade de "putos", com todo o respeito, alguns dos quais até recrutados para integrarem gabinetes de membros do executivo, cuja justificação para o recrutamento, se bem me recordo do que vi publicado não há muito tempo em Diário da República, até faz apelo a médias do 12º ano. Como se estas fossem significativas de alguma coisa para justificarem a contratação para o apoio a gabinetes ministeriais. Aliás, contam-se pelos dedos de uma mão quais os políticos que tendo passado pelas "jotas" enobreceram a acção política e parlamentar, ou que tendo exercido funções públicas "antes do tempo" as prestigiaram e saíram prestigiados. Não vou aqui apontar nomes pois não é esse o objectivo do debate, mas certamente que todos os têm presentes.
Questiono-me mesmo se, perdoem-me a expressão, alguns "maduros" com casa e mesa posta, percurso europeu, e um rancho de filhos para criar, devem continuar a integrar à beira dos trinta anos essas organizações, sendo para todos os efeitos tratados como imberbes que sofrem de uma capitis diminutio em razão da idade para beneficiarem de quotas atribuídas aos "jovens". Confesso que sempre considerei insultuoso tratarem-me condescendentemente como "jovem" numa altura da vida em que já tinha o meu curso, o meu trabalho e o meu espaço, conquistados com esforço e longe do conforto familiar e da sombra de uma qualquer "jota".
Sobre as razões e o peso das organizações juvenis nas estratégias e na afirmação dos partidos e das suas políticas muito se tem escrito, sendo certo que as razões que estarão na base da adesão a essas entidades em nada se distanciam das que pesam na adesão a um partido. Inclusivamente, o tipo de incentivos de natureza material, solidária e purposiva, para utilizar a terminologia de Ware (Supporters, Members, and Activists, in Political Parties and Party Systems, Oxford University Press, 1996), é idêntica à disponibilizada pelos próprios partidos aos seus militantes. As organizações juvenis têm um papel importante no recrutamento de novos membros mas para muitos é a única forma de garantir uma ascensão na carreira e um lugar ao sol, o que perverte o sentido da sua existência e das próprias adesões a partir de muito cedo.
Se quanto aos menores, entre os 14 e os 18 anos, ainda posso perceber a lógica de integração numa "jota", já a compreensão da filiação de um cidadão maior de 18 anos numa "jota", cidadão que pode desde logo filiar-se directamente num partido em virtude de ser titular de capacidade eleitoral activa e passiva, ultrapassa-me, e vejo-a como um atestado voluntário de inabilitação política assumido pelo próprio, reflectindo razões de conveniência e oportunismo com a aquisição de um estatuto de menoridade depois de atingida a maioridade. Quanto aos menores de 18 anos nada impede que os partidos organizem acções de formação política e cívica destinadas a esse segmento específico, como forma de prepará-los para os desafios da participação e da militância e sem que isso condicione "à nascença" o seu futuro académico, profissional e político, ou faça estes dependerem daquelas a título de no futuro virem a ser penalizados por não terem integrado o rebanho na puberdade.
A importância das "jotas" tem vindo a ser questionada por quem sabe destas coisas, tendo inclusivamente sido empiricamente verificado que as organizações juvenis - casos da Alemanha, Suécia, Canadá, por exemplo - perdem membros mais depressa do que os partidos em geral (Head Start in Politics - The Recruitment Function of Youth Organizations of Political Parties (Flanders), Marc Hooghe, Dietlind Stolle and Patrick Stouthuysen, 2004, Party Politics, 10). As conclusões do trabalho destes autores já então assinalavam que a desigualdade no acesso a uma carreira política é reforçada pela pertença a organizações partidárias juvenis. Basta pensar que, por exemplo, no caso português, em quase todos os partidos o tempo de militância nas "jotas" é relevante para a aquisição de estatutos de senioridade dentro do partido.
Se os partidos querem renovar-se e atrair mais gente, desinteressada, mais bem preparada e com melhores qualificações para a actividade política, talvez seja tempo de começarem por questionar a existência e a utilidade dos contributos até agora prestados pelas suas organizações juvenis, isto é, da sua contribuição numa perspectiva de interesse público e de ganhos do partido. Penso que as excepções, felizmente algumas muito boas, não chegam para justificar a existência das "jotas", porque essas excepções pela sua qualidade intrínseca, vocação, talento, preparação académica e política singrariam sempre, com "jota" ou sem "jota". Pergunto, assim, se não faria mais sentido uma integração de pleno direito nos partidos dos "jovens" logo a partir dos 18 anos, fazendo-os participar e militar de corpo inteiro e outorgando-lhes os direitos e deveres inerentes ao seu estatuto de pessoas maiores capazes de decidirem o seu futuro, fazerem escolhas políticas e regerem a sua pessoa e os seus bens, do que deixá-los medrar em organizações que estimulam o carreirismo, o oportunismo mais aviltante e fomentam o aparecimento de perniciosas lealdades pessoais de tipo clientelar e cacical, que seguindo vida fora contribuem para a formação de bolsas de interesses obscuros e de lobbies ao serviço de quem, sem o menor escrúpulo e por troca com o apoio em momentos pontuais, lhes garanta os lugares à beira da manjedoura.