Pedro e Marcelo
Diz o Sol que Santana Lopes, no Facebook, torceu o nariz às partes gagas de Marcelo no Brasil. Este está de visita para proferir irrelevâncias e mergulhar em Copacabana, a propósito de um festival literário em S. Paulo estrelado com a presença de Valter Hugo Mãe, ahem.
Fui conferir mas não encontrei o texto – talvez seja só acessível a amigos e eu, que tenho pela personagem mais respeito do que o que dedico à maioria das figuras públicas, não lhe vou pedir amizade, que ele ainda estourava de vaidade.
Que terá escrito, então? Isto:
"Os Chefes de Estado estrangeiros, quando vêm a Portugal encontram- se com os anteriores Presidentes? Claro que não. O que importa são os Povos? Sem dúvida. E os Povos é que pagam estes incidentes. Lula da Silva pode ganhar de novo à Presidência? Haverá tempo para encontros com o especial amigo de quem sabemos. Será que Marcelo, em França, se encontrou com Melenchon ou Marine LePen, (ou François Hollande e Nicolas Sarkozy). Julgo que não.”
Questionado ainda se Marcelo "age de modo diferente nos Países da CPLP?", responde: "É um tique colonialista". Devemos tratar os outros com as regras que exigimos para tratarem connosco. Há regras, especialmente para um Chefe de Estado".
A mim o que me escandaliza não é que Marcelo vá ver Lula, ou qualquer outro ícone da moda política, ou da propriamente dita; é que a agenda de um chefe de Estado de visita contenha surpresas previsivelmente ofensivas para o seu equivalente local. Das duas, uma: ou o nosso presidente da República avisava que se ia aliviar de inanidades junto de Lula, por achar isso necessário, e as autoridades brasileiras, contrariadamente embora, aceitavam, ou, se não aceitassem, não havia visita nenhuma. Agora, o cancelamento de um almoço em Brasília e, soube-se agora, de qualquer encontro, é (não há outra maneira de encarar isto) uma claríssima ofensa.
Os argumentos de Santana são bons, excepto por tomar como regra que um chefe de Estado de visita não se deve encontrar com líderes da oposição – regra não será – e por atribuir a Marcelo tiques colonialistas.
Lá tiques o homem tem, mas não de colonialista. Não foi por albergar sentimentos colonialistas que já foi múltiplas vezes a várias ex-colónias; foi, a meu ver, porque, gostando de viajar e ir, as ex-colónias são um destino evidente, e nelas costuma ser recebido com evidente agrado popular. Não o digo com gosto, que detesto a personagem, mas o sucesso é patente.
O agrado popular é a chave para entender o comportamento marcelístico, a plasticina das posições políticas, o permanente passar a mão pelo pêlo da opinião pública, a lisonja a toda a estrela pop, a todo o intelectual, a todo o desportista, a todo o profissional bem-sucedido, a todo o conhecido em suma.
Este amor da popularidade sempre o levou a nunca ter escrito ou dito nada de memorável, nem defender nada de consistente, nem ter produzido obra de relevo. E o contraste singular entre uma tão completa nulidade de realizações e um tão evidente sucesso junto dos seus concidadãos levou-me há uns anos e perguntar a pessoa, já morta, cuja opinião considerava como nenhuma outra, e que o conhecia: Que dizes, ele é mesmo tão oco como parece? Não, não é, tem mérito – respondeu-me.
Este incidente ridículo no Brasil, que se junta a uma litania deles, levou-me a reconsiderar a questão. E fez-me lembrar uma visita a Cuba, para visitar o doente Fidel.
Que foi lá fazer? Cuba não é, em nenhum sentido, um país relevante para nós, e Fidel – até Marcelo saberia disso – era apenas um ditador desprezível do terceiro mundo, com inúmeros crimes no passivo, promovido planetariamente por uma mistura de romantismo revolucionário estúpido, ignorância contumaz e comunistas empedernidos.
Pois sim. A visita estranhou a uns maduros como eu, mas agradou à opinião publicada e à pública, e internamente agraciou Marcelo junto de comunistas e primos, que lhe guardam o respeito e a tolerância que não guardariam se ele militasse na denúncia do carácter nocivo das convicções de tais pessoas. Ou seja, do ponto de vista dele, atingiu o objectivo.
Resta que a política, na sua dimensão nobre, é a arte de levar as pessoas (em democracia; em ditadura não são precisas tais frescuras) a subscreverem as escolhas mais convenientes para o progresso do país. E, neste sentido, Marcelo, que é um político de carreira, é um falhado porque sofre da doença de popularite aguda.
De modo que nos conviria um tipo (ou tipa: eu cá não sou nenhum machista) que não tivesse necessariamente o brilho que as pessoas veem na figura, mas que não abundasse no acessório em prejuízo da substância.