Pedras
Maria Dulce Fernandes, 06.07.22
Provavelmente já tinha tomado alguns. Não sou de beber, mas pélo-me por um bom gin&tonic sempre que entro em fase de transgressão e quando tomei por resolução um post no blog por dia, estava seguramente alienada, demente, insana, ou simplesmente um nadinha alterada.
A inspiração não é algo que se tenha na mala ou na carteira ou haja lá por casa sempre uma nova, bem arrumada e ainda por estrear com as etiquetas da marca numa gaveta do camiseiro.
Ou se tem ou não se tem, tão simples como isto.
É como o cabelo, por exemplo. Se o tenho, posso cortá-lo, enfeitá-lo, ondulá-lo... a infinitude de tratos que posso dar ao cabelo é imensa. Se não o tenho, sou careca, tento disfarçar com perucas, capachinhos, chapéus, mas como dizia o actor, desses, há muitos, os palermas, os falsos inspirados.
Saí do trabalho mentalmente exausta. Apesar de ser Verão era de noite e pensei para comigo que o mundo me passa ao lado e só reparo que faz um barulho ensurdecedor.
Fui pelo caminho a contar as pedrinhas e a adivinhar em qual cairia cada pingo da chuva que se abatia de mansinho. Podia ser inspirador, quem sabe. Li não sei onde que o Björn Ulvaeus escreveu o "Take a Chance on Me" quando chegou a casa depois de caminhar pela chuva e atentar na melodia que os seus passos entoavam quando tocavam nas pedras molhadas da calçada.
Quem sabe o mesmo não aconteceu a Beethoven quando cozinhava, ou a Bach quando polia com suavidade e perícia o seu orgão preferido, ou até mesmo a Wagner enquanto passava o espanador nos livros da biblioteca do tio Adolf.
Não, decididamente hoje não desceu em mim qualquer bafejo de Erato, Melpômene, Polínia ou Talia, portanto, e sem mais delongas, vou fazer uma lasanha, uma deliciosa e fantástica lasanha e ai de quem se atravesse no meu caminho e me difame a arte!