Patrícios e Plebeus*
Há dias no site do Município de Alcobaça preenchi o formulário do Livro de Elogios, com o seguinte texto:
“É maravilhoso viver num município que exige 500€ pela ligação de uma casa de habitação à rede de águas e que envia a factura pelo correio sem nenhuma forma de pagamento alternativa que não exija uma ida presencial aos serviços municipalizados. O facto de o país e os portugueses terem de governar a vida trabalhando todos os dias da semana e de se depararem com esses mesmos serviços encerrados numa segunda-feira de carnaval será falha exclusiva do país que não tem o pedigree suficiente para alcançar a graça de ser funcionário público. Viva o funcionalismo, abaixo a ralé. Muito obrigado, Senhor Presidente.”
Agora mais calmo, reconheço que exagerei. Exagerei no valor que tenho a pagar, que não é de 500€ mas de apenas 479,70€. E exagerei igualmente quando escolhi o Presidente da Câmara como sendo o alvo deste elogio.
Dizem-me que o igual tratamento dos cidadãos perante a lei está plasmado na Constituição da República Portuguesa. Eu olho à minha volta e não vejo isso. Assume-se sem qualquer pudor, que os funcionários públicos podem alcançar a reforma mais cedo que os trabalhadores do privado; o conceito do Salário Mínimo Nacional tem igualmente um significado diferente, e mais favorável, para quem trabalha para o Estado; a ADSE funciona como um SNS Premium, os seus beneficiários argumentam que não, dizendo que têm de pagar por ele, mas eu insisto nisso pois estou excluído dessa possibilidade; as famigeradas 35 horas de trabalho por semana, em comparação com as 40 dos demais, também não deve ser esquecidas; a impossibilidade prática de despedimento é mais um peso sempre do mesmo lado da balança. Como se tudo isto fosse pouco desequilibrado, a tolerância de ponte no Carnaval, e outros feriados, são dias de descanso reservados aos “servidores públicos”. A tudo isto, o Município de Alcobaça acrescenta a segunda-feira gorda.
É nesta altura que me lembro da sociedade do Império Romano, em que os Patrícios e os Plebeus sabiam o que eram, aquilo a que tinham direito e o que nunca poderiam alcançar. Mas pelo menos assumiam-no sem se darem ao trabalho de fingir que todos somos iguais perante a lei.
De facto, exagerei no meu elogio, a culpa não é do senhor Presidente da Câmara de turno, mas apenas dos portugueses que mansamente aceitam tal cabresto.
Sobre a despesa cobrada pela ligação do contador da água, e como a casa será para colocar no mercado, a seu tempo tal custo será transferido para o comprador da mesma. As casas estão caras, não estão? Quanto do seu custo são alcavalas ferradas pelo Estado Português?
PS: Depois de terminado o texto, voltei a fazer as contas e com o pedido de orçamento e outras despesas de serviço o valor aproximou-se dos 520€.
* Publicado no jornal Região de Cister