Parem as máquinas: há calor no Verão
Está cientificamente demonstrado: o medo é dos ingredientes que colam mais as pessoas aos ecrãs. E nada suscita tanto medo como as catástrofes naturais. Isto reflecte-se nos telediários portugueses, quase despojados de notícias fora do perímetro nacional. O que sucede no resto do mundo só nos aparece à frente quando ocorrem cheias, ciclones, sismos, maremotos, avalanches, erupções, tufões, trovoadas, secas extremas. Sobretudo se ocorrer nos EUA. Nos últimos dias, algumas horas de chuva intensa em Nova Iorque mereceram mais destaque nos noticiários cá do burgo do que o assassínio do Presidente do Haiti.
O alarmismo fomenta audiências. E nada melhor – ou pior – para ampliar o alarmismo do que falar do clima. Vivemos apavorados pelas condições atmosféricas. É um medo irracional, fomentado pelo pensamento mágico de pseudo-cientistas com lugar cativo nos meios de comunicação. O tema recebe prioridade absoluta na hierarquia informativa, chegando a inverter o paradigma da notícia: em vez de ser o homem a morder o cão, aqui é mesmo o cão a morder o homem. Destaca-se o mais banal, conferindo-lhe aura de sensação.
Há frio no Inverno e calor no Verão? Isso acontece nos Estados Unidos, pátria suprema das teorias da conspiração? É garantido que terá destaque, o Presidente assassinado no Haiti pode ser empurrado para o fim da linha. Noutros tempos, mais serenos e com menos histeria à solta, só seria novidade se fosse ao contrário: Inverno tórrido e Verão gelado.
À nossa escala, com o tépido estio que nos vai calhando, para desespero dos alarmistas de turno, não há notícia climática digna desse nome. Mas se for preciso dá-se um jeito: é preciso manter os espectadores grudados ao rectângulo televisivo.
Aconteceu quarta-feira da semana passada, à hora do almoço, na RTP. Às 13.23, surgiu o aviso, proclamado em voz solene: “Prepare-se para o calor. O Verão chega em força esta semana. Em algumas regiões do país as temperaturas podem chegar aos 40 graus.” Se o Artur Albarran ainda pontificasse em antena acrescentaria: “O drama, a tragédia, o horror!”
Era apenas um teaser – como agora se diz na gíria mediática, sempre pronta a acolher qualquer americanismo linguístico. Dezasseis minutos depois, o que parecia escaldante tornou-se temperado: “As temperaturas começam a subir hoje e podem chegar aos 40 graus no fim de semana em Évora e Beja. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera diz que não está prevista uma onda de calor, mas o tempo quente vai manter-se em todo o território continental. (…) Alguns sites de meteorologia falam de uma onda de calor, mas o IPMA garante que não.”
Reparem: bastou que os tais sites não especificados aludissem a uma putativa “onda de calor” para a expressão vingar, mesmo com desmentido formal da autoridade científica. E logo uma jovem repórter compareceu numa aldeia alentejana, interrogando uma senhora sobre tão magna questão. Ouviu esta resposta: “Toda a vida apanhei calor, apanhei sol. Na hora dos 30 graus, estou eu em casa.”
Não havia notícia, mas havia sabedoria antiga. A repórter ficou a ganhar. E nós também.
Texto publicado no semanário Novo