Paredes centenário
Fui entrevistá-lo no início da minha carreira, ao hospital de São José, em Lisboa, onde ele trabalhava como modesto funcionário administrativo. Surgiu-me um indivíduo de elevada estatura, algo desengonçado, hesitante nas palavras. Iniciava frases que não terminava, tinha dificuldade em olhar de frente a câmara ao ser fotografado.
Guardo dele a imagem de um homem tímido, avesso a todas as formas de estrelato, parecendo surpreendido por ser tão enaltecido e ovacionado.
Carlos Paredes faria hoje cem anos. Falecido em Julho de 2004, deixara de tocar bastante antes, tolhido por uma doença degenerativa. Mas a sua música está tão viva como no momento em que nasceu na guitarra que este magnífico compositor e intérprete dominava de modo sublime. Arte herdada do pai, mestre Artur Paredes, figura quase lendária nas noites de serenata em Coimbra.
Oiço uma vez e outra as peças saídas da inspiração ímpar daquele homem tímido que um dia entrevistei num gabinete sombrio de hospital e nunca cesso de me deslumbrar com aquele som tão universal sem deixar de ser tão português.
«Age de modo a que a tua vida, quando chegar ao fim, tenha valido a pena», ensinava um célebre pensador. Foi o que Carlos Paredes fez, quase pedindo desculpa a quem o escutava por ter um talento do tamanho do mundo.