Paraministro
A primeira vez que ouvi falar num paraministro foi numa notícia em que Catarina se aliviava de umas banalidades a armar ao sentido de Estado mas não liguei – coisas lá do aquário da politiquice lisboeta e das trincas e mincas da Geringonça.
Que um ministro, ou o Primeiro, ou o Presidente, tenham uns amigos ignotos com os quais trocam umas impressões está no arranjo ordinário das coisas. E que esses interlocutores tenham um café em Freamunde ou sejam empresários do ramo dos petróleos não deve surpreender ninguém. A comunicação social tem até fórmulas consagradas para estes encontros fortuitos, se os topar ou receber encomenda para os noticiar: no primeiro caso trata-se de auscultar a sociedade civil e no segundo inteirar-se dos problemas do sector.
Mas, afinal, o tal paraministro não é mais um gambozino que a Tina da Companhia de Teatro das Visões (In)úteis inventou para o Bloco fingir importância: existe mesmo, fala, e tem opiniões.
Um tipo que navega na massa escura do crude sabe da logística do produto, dos offshores por onde se movimenta o arame, que costas é preciso afagar, quais os números de telefone que convém ter, onde estão os bons restaurantes, e que tudo isso deve estar rodeado de grande discrição. Deve também perceber alguma coisa de relações internacionais e de economia, no que umas e outra podem afectar o ramo, pelo que convém não ter formação naquelas áreas, para não ter o trabalho suplementar de se despir de preconceitos académicos.
O tal Costa Silva parece preencher o quadro. Infelizmente, logo na primeira entrevista, expele uma quantidade prodigiosa de tolices.
Vejamos primeiro o problema, depois a solução, e, finalmente, o que diz o preclaro.
Uma doença nova, comprovadamente benigna, provocou uma sobre-reacção mundial, baseada no medo induzido pela ignorância dos seus verdadeiros contornos, por alguns serviços de saúde terem sido submergidos, pelo facto de afectar sobretudo pessoas de idade, por ser muito contagiosa, por assintomáticos também poderem contagiar, e por parecer ter sido contida por medidas radicais do governo ditatorial de uma superpotência opaca, que as democracias tentaram emular.
As burocracias mundiais ou regionais (OMS ou EU, p. ex.) abraçaram com gosto o reforço da sua importância; os governos cederam às opiniões públicas em pânico, pilotado por uma comunicação social geralmente acéfala que se especializou na facilidade do drama sem perspectiva nem trabalho de contextualização; e as economias afundaram, mesmo para aqueles que adoptaram abordagens menos penalizadoras, por causa das interdependências internacionais.
No nosso caso, o consagrado Ronaldo das Finanças fala numa quebra de 7%, portanto deverá ser entre 10-15%.
Este o problema. Agravado no caso português pelo abismo entre a propaganda dos apoios e a realidade: ninguém sabe ao certo, nem é possível saber porque a informação não é de confiança, que parte do apoio ao layoff é que já foi paga; e até mesmo o reembolso do IRS (resultante em si de uma pilhagem) o próprio ministro reconhece, sem vestígios de vergonha porque não a tem, que está a ser atrasado.
A solução vem de um prodigioso bolo europeu de 750 mil milhões de Euros, dos quais nos tocariam à volta de 26 mil milhões (15 dados e o resto emprestado) se, no complicado processo decisório da EU, o número não levasse um corte de cabelo, como possivelmente levará.
Quem tiver curiosidade pode ler as minúcias da coisa, p.ex. neste texto de um especialista nestas tranquibérnias, no caso o Prof. Doutor Paulo Trigo Pereira (trato-o assim, com os títulos todos, porque o homem é comicamente cioso destes penachos).
Muito dinheiro, em suma: de volta os pacotes Delors, o comboio europeu, o agora-é-que-vai-ser. Não estivesse a expressão tingida da abominação cavaquista, e corríamos o risco de ver ressuscitado o famoso pelotão da frente que aquele grande estadista consagrou, conjuntamente com outros memoráveis disparates.
Não vai ser. Desde logo porque a UE fala de prioridade aos investimentos nas áreas da transformação ecológica e digital, além de outras piedades, que traduzidas para Portugal querem dizer torrar montes de dinheiro em investimentos não reprodutivos e fantasias promovidas por visionários e vigaristas sortidos, que vêm ocupar o lugar deixado vago pelos engenheiros do progresso - na encarnação anterior estavam mais virados para a formação profissional. Depois porque todo o pacote se destina a ser reembolsado com impostos europeus, a começar a cobrar de 2028 em diante, e que se virão juntar aos que já existem. E finalmente porque em lado nenhum, em momento nenhum, se fala de reforma do Estado, o que quer dizer que a economia, logo que recupere com ajuda algum fôlego, continuará a carregar o fardo da classe média. Aquela que, se não fosse o Estado onde se acolhe, segundo o intelectual Pacheco, não existiria; e aquela que é mal paga porque a economia não é eficiente, dada a fatalidade de os empresários não serem dinamarqueses.
Deixemos isto. Que diz ao certo o mago do Plano de Recuperação Económica, que o elaborou em dois dias? A julgar pela entrevista, é um documento de grande arrebatamento, que não deixará decerto, quando vir a luz do dia, de provocar nuns cólicas, noutros gargalhadas, e nos socialistas aplausos.
“… no caso da TAP, o Estado também deve intervir – com o objetivo claro de evitar que ‘empresas rentáveis se afundem e entrem em estado de coma”. E a intervenção terá de contemplar a “preservação dos postos de trabalho” ou a “qualificação dos trabalhadores”.
Ahem, a TAP é uma empresa rentável?! E vai recuperar sem adequar os seus quadros à procura que tiver, e tendo ainda o enternecedor cuidado de dar formação às meninas do balcão das reclamações?
“A médio e longo prazo, o plano é composto por ‘dois eixos estratégicos’ que, realça o gestor, estão ‘limitados aos recursos financeiros’ disponíveis. Num primeiro momento, a aposta é na modernização das estruturas físicas do país, como seja ‘qualificar a rede viária’ ou intervir nas estruturas portuárias, ou de ‘energia’”, fundamentais para alavancar as exportações do país”.
Nós, de eixos, aprendemos alguma coisa durante a crise da Covid, por causa de tanto gráfico com que fomos mimoseados. E isto nos dá a lucidez para adiantar timidamente que mais autoestradas, mais dinheiro em Sines, e mais corrupios no alto dos montes, não nos parece assim muito bem. Da última vez, a receita, em vez de incentivar o desenvolvimento, provocou o risco de calotes e uma demorada penitência.
“Ao mesmo tempo, é preciso ‘acelerar a transição digital’ na administração pública e, em especial, no tecido empresarial das pequenas e médias empresas – um dos pontos do segundo eixo, mais virado para as infraestruturas digitais. E antecipa o ‘enorme impacto na economia’ que o aumento das competências digitais possa vir a ter”.
Isso da transição digital sabemos o que é. Em vez de termos um bilhete de identidade barato temos um cartão de cidadão caro; e em vez de nos zangarmos com funcionários mal-encarados enfurecemo-nos com o computador e os sites do Governo. Quanto ao tecido empresarial das PMEs, Costa, deixa lá isso: as empresas aceitam tudo o que lhes quiseres dar, em troca de fingirem que têm um grande respeito por gurus da gestão de aviário; menos conselhos e apoios para fazerem o que não lhes sirva para nada.
“Costa Silva fala, ainda, em ‘estender a fibra ótica a todo o território nacional’, depois do recurso às tecnologias, durante a pandemia, ter espelhado as desigualdades sociais entre os alunos”.
Parece razoável. Tanto que é legítimo duvidar que se faça. Acontece muito, quanto se está sobrecarregado a fazer uma quantidade de inutilidades, escassear o tempo para o que é preciso.
“À RTP, o gestor garantiu que o Serviço Nacional de Saúde, depois de ter respondido à pressão da Covid-19, vai ver o ‘investimento reforçado’, numa clara aposta em ‘equipamentos e recursos humanos’, concluiu Costa Silva”.
É o que se chama fechar com chave de ouro. Mas não são necessárias pressas: já tanto utente esticou o pernil por causa de consultas, tratamentos e operações adiadas que durante algum tempo a pressão deve diminuir.
Em suma: Dizem deste homem que irá substituir Siza Vieira, que irá substituir Centeno, que irá substituir o Governador do BdP.
Tudo leva a crer que quem o convidou não irá ser substituído. Daqui a uns anos, acontecerá ao glorioso PM que descobre estas pérolas o mesmo que ao malogrado Sócrates: nunca ninguém votou nele.