Parabéns, general
No 90.º aniversário de António Ramalho Eanes
Um oficial de semblante espartano irrompeu do anonimato numa noite tensa, ao surgir de camuflado como comandante operacional da contra-insurreição de 25 de Novembro de 1975 que pôs fim ao aventureirismo de uma certa esquerda festiva, armada até aos dentes. Com a região militar de Lisboa em estado de sítio, a circulação de jornais suspensa e os blindados do Regimento de Comandos da Amadora defrontando a Polícia Militar no quartel da Ajuda numa ríspida troca de tiros que provocou três mortos. O PREC chegava ao fim, a disciplina regressava aos quartéis, Portugal não seria a Albânia da Europa Ocidental – o destino que alguns tontos sonhavam para nós.
«Missão cumprida, meu general», disse o tal militar de poucas falas, dirigindo-se ao Presidente da República, Francisco Costa Gomes. Sete meses depois, já também oficial-general, ascendia ele próprio à chefia do Estado. Mas, ao contrário do antecessor, António Ramalho Eanes iniciava o seu mandato validado nas urnas. Pela primeira vez Portugal tinha um Presidente da República eleito por sufrágio livre, directo e universal.
Os portugueses gostaram dele: a 27 de Junho de 1976 recebeu quase três milhões de votos, correspondentes a 61,5% dos boletins. Era o mais jovem inquilino de sempre do Palácio de Belém: tinha apenas 41 anos quando ali entrou com a esposa, Manuela, e um filho ainda pequenino, Manuel. Outro viria a nascer já com o pai a conduzir o Estado naqueles anos em que o actual regime ainda gatinhava.
Alguns dos que mais o combateram acabariam por render-se à competência e à seriedade de Ramalho Eanes – figura de referência pela rectidão de carácter. Também por isso foi um dos raros políticos nacionais que sempre mereceram o meu respeito.
Mas o que me interessa valorizar sobretudo neste dia concreto, em que António dos Santos Ramalho Eanes festeja o seu 90.º aniversário, é o enorme contributo que o general deu para a consolidação da democracia em Portugal. Não foi tarefa fácil. Não foi - muito menos - uma tarefa menor. A verdade é que no momento certo ele estava lá. Mantendo-se à altura dos desafios da história. Devemos-lhe essa palavra de reconhecimento.
Gosto de qualificar o desempenho dos políticos formulando esta pergunta: ao cessarem funções deixaram o País melhor ou pior do que o encontraram?
Com Eanes nunca tive a menor dúvida quanto à resposta. O Portugal de 1986 era incomparavelmente melhor do que o Portugal de 1976.
Aprecio nele algumas qualidades que hoje parecem muito fora de moda: sobriedade, contenção verbal, sentido de honra, noção do compromisso, fidelidade à palavra dada, patriotismo jamais confundível com patrioteirismo. E coragem - física e anímica.
Gostava muito que o ex-Presidente escrevesse um livro de memórias ou sugerisse a alguém para o fazer por ele. Deve isso a Portugal e aos portugueses. Para já, daqui o saúdo em respeitoso cumprimento, endereçando-lhe parabéns por esta data festiva.