Para além das aparências
Romances e política IX - OS MENINOS DE OURO (1983)
Os mecanismos interiores da ambição política e os seus reflexos na esfera privada constituem elementos em evidência nesta singular incursão de Agustina Bessa-Luís pela biografia ficcionada de um líder partidário, José Matildes, que cruza os anos finais do Estado Novo para desembocar no pós-25 de Abril como uma das personalidades de maior sucesso. «O país estava preparado para o receber, o seu fundo messiânico encontrava um terreno propício porque, entretanto, o código da revolução se tinha revelado deficiente na sua simbolização afectiva.»
Na sua peculiar prosa romanesca, sempre adornada de aforismos, a autora d'A Sibila parece menos interessada em dissecar ideologias do que em analisar perfis psicológicos enquadrados numa atmosfera social. Os Meninos de Ouro desta obra, distinguida em 1984 com o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, são Matildes e o seu mentor intelectual, «um escritor chamado Francisco Farinha, ou Farina»: ambos vivem breves dias de apogeu, cada qual à sua escala, antes do fim prematuro a que parecem estar condenados pela força imparável do destino. Personagens inspiradas em Francisco Sá Carneiro e Ruben A. Leitão, como Agustina nunca escondeu, sujeitando este romance a um especial escrutínio crítico, já que o retrato do protagonista - um homem «capaz de viver dramaticamente» e fadado para «intervenções altivas e verrinosas» - está longe de ser lisonjeiro. Mesmo «convertido à imortalidade» depois de morto.
A habilidade da escritora nesta controversa narrativa é pôr em contraste a rota de êxito público de José Matildes com o malogro dos seus vínculos familiares. Uma dupla dimensão, percorrida em linhas paralelas, que a terá fascinado: «Se as palavras podem curar as loucuras de um povo, só a violência pode vencer a loucura de um príncipe.»
No fundo, acaba por preencher uma lacuna: esquecemo-nos demasiadas vezes de que um político é um ser tão frágil como qualquer de nós.