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Delito de Opinião

Palheiro já existe, só falta a agulha

Pedro Correia, 13.05.21

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Na hora de gerirem participações empresariais com dinheiro emprestado, não se fazem rogados: é tudo à grande. Mas quando chega o momento de prestar contas, com o país de holofotes colocados apontados para eles, começam a gaguejar, têm súbitos lapsos de memória, fazem de conta que não é nada com eles. São “empresários” que nada empreendem e "gestores" que mal sabem gerir seja o que for: durante anos viveram de créditos sobre créditos, beneficiando de uma banca complacente, que emprestava primeiro e só pedia garantias depois. Como se adivinhassem, uns e outros, que no final do túnel, já sem luz, o Estado serviria de bóia de salvação. Com os contribuintes portugueses a pagar este buraco sem fundo.

Se algum mérito tem a comissão parlamentar de inquérito aos grandes devedores do Novo Banco (NB) é este: pôr ainda mais a nu as debilidades estruturais do nosso sistema financeiro, fazendo desfilar no palácio de São Bento alguns dos maiores responsáveis, directos e indirectos, pela derrocada de grupos empresariais que se alimentavam dos balões de oxigénio do BES antes de também este entrar em coma.

 

Não têm faltado intervenções patéticas. Mas nenhuma excedeu em desfaçatez a de Luís Filipe Vieira, que se diz muito espantado por ser o segundo maior devedor do NB – como se tivesse sido o último a saber – e sugere estar a ser perseguido por ser presidente do Benfica. Como se isto não lhe servisse de circunstância atenuante.

Basta recordar que em Outubro o primeiro-ministro António Costa e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, aceitaram integrar a Comissão de Honra da sua recandidatura à liderança do clube encarnado. E que durante anos o actual presidente do Banco de Portugal, então ministro das Finanças, se sentava ao lado dele na tribuna principal do estádio da Luz – o mesmo Mário Centeno a quem, por ironia do destino, Vieira agora lança farpas envenenadas. Algumas de péssimo gosto, como quando confessou aos deputados, nesta segunda-feira, que gostaria de vê-lo “enforcado”. Por dizer algo com muito menos gravidade num estádio de futebol qualquer membro do plantel do Benfica receberia cartão vermelho e seria punido com vários jogos de suspensão.

 

Como é possível o empresário Vieira ter chegado a acumular dívidas de mais de 410 milhões de euros a uma instituição hoje comprovadamente descapitalizada e ainda por cima agir como virgem ofendida, como se fosse ele o credor? Por que tortuosas vias se movimenta alguém que declara apenas possuir em nome próprio um palheiro com logradouro enquanto se gaba de gozar “uma boa reforma” e prescinde até de remuneração no exercício da presidência da SAD do Benfica? Como é que o autoproclamado “homem do povo” degenera em campeão do calote?

Demasiadas perguntas ainda sem resposta. Se levarem esta missão a bom porto, doa a quem doer, os deputados contribuem para combater o pior dos populismos. E restituem alguma decência à vida pública portuguesa. Mas a missão que têm pela frente não é fácil. Palheiro, já existe. Agora falta lá encontrar a agulha.

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