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Delito de Opinião

Pagar 150 euros por colchão

Pedro Correia, 06.02.23

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Há uns tempos, levantou-se um coro geral de indignação, entre as bempensâncias lisboetas, contra as condições infra-humanas em que viviam imigrantes contratados para a apanha de frutos vermelhos nas estufas de Odemira. Aproveitou-se a ocasião para debitar a ladainha do costume, inflamada de indignação moral. 

Lamento que muitas dessas almas cândidas e benfazejas (e grandes consumidoras de frutos vermelhos, óptimos para a saúde) se indignem mais depressa com aquilo que se passa a 200 quilómetros de distância enquanto fingem não reparar no que se passa na própria cidade onde residem. Aqueles imigrantes de Odemira, apesar de tudo, vivem em melhores condições do que estes estafetas que a todo o momento distribuem refeições ao domicílio dos mesmos lisboetas tão arrepiados com as degradantes condições no Alentejo profundo. 

O trágico incêndio ocorrido neste fim-de-semana na Mouraria, provocando dois mortos e 14 feridos (incluindo quatro crianças) demonstra o que é a realidade actual nesta Lisboa impante de modernidade e efervescente de "consciência social": imigrantes asiáticos amontoados num cubículo desse bairro.

Foi na Mouraria, mas podia ter sido noutro local. Anjos, Intendente, Arroios - numa vasta cintura em torno do centro histórico da cidade. Em casos como este, que se multiplicam como cogumelos: prédio insolvente, resgatado por um banco, que leiloa fracções a estrangeiros ligados a redes de exploração de trabalho quase escravo. Cada um destes desgraçados paga 150 euros - não por apartamento, nem por quarto, nem por cama, mas por colchão amontoado junto a tantos outros.

Neste rés-do-chão vegetavam 22 seres humanos. Esses, que não merecem um sopro de indignação da parte das tais vozes indignadinhas que incentivam a existência destas redes - e das plataformas digitais que delas se aproveitam - cada vez que pedem comidinha ao domicílio. Sem perceberem sequer a relação entre uma coisa e outra. 

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