Outro grito de alarme contra a "má moeda"
Cavaco Silva
Com um artigo de opinião no jornal tradicionalmente mais próximo do PSD, fundado pelo actual militante número um do partido, Cavaco Silva volta a mostrar como se faz política. No tempo e no modo. Repetindo o que sucedera em 27 de Novembro de 2004, noutro texto publicado no mesmo semanário, com os efeitos que sabemos: as suas considerações sobre a má moeda a expulsar a boa moeda, sustentadas em teoria económica como metáfora para a incompetência na política, serviram de demolidor diagnóstico do quadro governativo, abrindo caminho à queda de Santana Lopes, logo empurrado pelo Presidente Jorge Sampaio.
«É chegado o momento de difundir na sociedade portuguesa um grito de alarme sobre as consequências da tendência de degradação da qualidade dos agentes políticos», denunciou Cavaco há 17 anos.
As reacções invertem-se. Quem aplaudiu esse artigo, critica este, surgido há uma semana; quem o detestou, agora entusiasma-se. Aníbal António Cavaco Silva, hoje com 82 anos, mantém-se onde sempre esteve. Falando – neste caso escrevendo – com a autoridade moral de ter liderado o único Executivo que em quatro décadas colocou Portugal num rumo de aproximação real ao desempenho económico da União Europeia. E com a autoridade política de só ele ter obtido quatro maiorias absolutas, em eleições legislativas e presidenciais. Foi o único Chefe do Estado civil do actual regime não oriundo da elite lisboeta. Nesse sentido, reforçou a solidez do sistema democrático, libertando-o de endogamias e aproximando-o do cidadão comum. Homem da província, com raízes humildes, a sua ascensão ao poder comprovou que o elevador social funciona.
«Nas duas décadas do século XXI, a economia portuguesa cresceu à taxa média anual de apenas 0,5%. (…) A produção por habitante de Portugal em 2018 era pior do que em 1995», vem alertar Cavaco. Sublinhando que o nosso país disputa com a Grécia o título de «campeão europeu do agravamento do empobrecimento relativo».
Pronuncia-se com a reputação que granjeou como especialista em finanças públicas e beneficiando da associação empírica do seu mandato governativo aos anos de maior prosperidade nacional. Mas os disparos dirigidos a António Costa funcionam como enquadramento de uma questão mais vasta. Esta intervenção do ex-Presidente tem outro destinatário, aliás nunca expressamente mencionado no artigo: o PSD. Cavaco não se limita a criticar o Governo socialista: reivindica uma candidatura alternativa à liderança dos sociais-democratas. No contexto actual, é um apelo óbvio à entrada em cena de Paulo Rangel.
Existe hoje «uma oposição política débil e sem rumo, desprovida de uma estratégia consistente de denúncia dos erros, omissões e atitudes eticamente reprováveis do Governo», escreve o antigo Chefe do Estado. Ninguém precisa de explicador para perceber o nome do visado.
Cavaco, exímio xadrezista político, assume-se aqui como a verdadeira voz da oposição – papel que Rui Rio sempre recusou desempenhar. Agora, mesmo que o quisesse, já iria tarde.
Texto publicado no semanário Novo