Desde que o PT chegou à presidência do Brasil aquele país alargou-se por África e outro mundo afora, era a época dos militantes da virtude no reforço do "Sul-Sul", dos crentes do culto aos BRICS - a China sempre nos modos deste Xi, a Rússia já de Putin, a África do Sul no rumo de Zuma, Ramaphosa e quejandos, a Índia do afinal Modi e o nosso cálido "país irmão"... Olho para 20 anos atrás, recordo o meu cenho franzido diante daquilo, e interrogo-me se sou serei eu o deficiente, pois "portador de cepticismo", ou, se pelo contrário, serão apenas parvos os que então (e hoje) tanto se entusiasmavam com aquela "alternativa" dita desenvolvimentista...
Mas não vi qualquer defeito naquilo da economia brasileira se extroverter para África. É certo que dos grandes investimentos em Moçambique bem ouvia - e muitos anos antes de qualquer um de nós saber da existência do juiz Moro - histórias das articulações dos macrogrupos económicos com a elite PT e a família elementar do presidente obreirista... Mas isso eram (e são) os problemas daquele país, onde a corrupção do sistema político é endémica e não típica de uma qualquer linha ideológico/partidária. De facto, o que me mais me irritava era o folclore "afro" da abordagem brasileira - entenda-se bem, em África os portugueses armam-se das lérias da comunhão "lusófona" e os brasileiros entoam a sua cançoneta da irmandade feita da sua "africanidade". Todos desafinam...
Enfim, quase nada sei do país e nunca cuidei de me aprofundar nisso. Li poucos escritores (Machado de Assis, Nassar e mais alguns), ouço um punhado de cantores (facilitados pelo imediatismo da apreensão que a língua comum dá). E noto que apenas um pensador me marcou - José Guilherme Merquior, um intelectual monumental que tão infelizmente morreu com apenas 50 anos, tanto deixando por iluminar. E, já nesta idade, tenho uma muito querida amiga, dois grandes amigos e conheço ainda, com simpatia algo vaga, não mais de meia dúzia de brasileiros. Ou seja, ao longo da vida o país foi-me indiferente - à excepção da floresta - e assim continua...
Ontem Lula da Silva regressou ao poder. É verdade que durante as suas presidências houve um enorme retrocesso da pobreza, efectuou-se uma urgente redistribuição de recursos numa sociedade imensamente desigual. E - o que é o verdadeiramente fundamental - muito se reduziu o criminoso abate amazónico. Sucede a um boçal afascistizado, um troglodita político - o qual, muito mais grave do que tudo o que a gritaria das "identidades" apregoou, e assim até escondeu, foi um gravíssimo epifenómeno da indústria assente na desflorestação.
Por isso tudo é bom que Lula da Silva tenha ganho. Foi eleito resvés, dada a preferência que obteve no eleitorado do "interior" (nordestino), pobre, inculto, desapossado pela desigual redistribuição social e geográfica dos recursos, ostracizado até. Só não querendo ver é que não se nota a similitude, em abstracto, com a recente eleição de Trump..., o que deixa ver como as "análises" são acima de tudo ladainhas advindas das simpatias dos locutores, nuns casos louvando as "massas", noutros casos invectivando a plebe, crente.
Por cá muitos desgostam de Lula da Silva, lamentam a sua ressurreição. Muito disso advém da associação do brasileiro com o nosso Sócrates - bem patenteada durante anos, em visitas oficiais e privadas, em apoios, em amizades proclamadas. E só não viu quem era Sócrates quem não quis ver, só não percebeu o tom que ele deu ao regime quem não quis. Clientelismo, nepotismo, corrupção, ataque à separação de poderes, esbanjo de recursos públicos, ataque à liberdade de imprensa, tudo isso foi Sócrates - e com a cumplicidade de alguns e a conivência de imensos. O PS tudo fez para fazer esquecer isso - o que lhe permitiu nomear um Presidente da Assembleia da República que goza connosco a propósito de Sócrates, encher o Parlamento Europeu com gente próxima de Sócrates, encher o governo de ex-governantes de Sócrates (e quando um é apanhado a esconder alguma corrupção as pessoas ainda se surpreendem...). Pois o histriónico Sócrates pode ter caído mas o regime não mudou, é preciso ser "parolo" (para citar o inaceitável Santos Silva) para não o perceber.
Por isso tudo, este convite para o empossamento que Lula enviou a Sócrates - em nome de uma qualquer "amizade pessoal" - é uma agressão, vil, a Portugal. E uma proclamação de que afinal não somos um "país irmão" mas sim, quanto muito, um "país sócio" para quaisquer trapaças que pareçam lucrativas. E o nosso esvoaçante Presidente deveria ter sinalizado isso. Apresentar-se, algo obrigatório como chefe de Estado, e com gravitas, nisso enfatizando a percepção da ofensa havida. Mas, claro, apaixonado por si mesmo foi-se a banhos...
Quanto ao Brasil? Atrevo-me a um conselho, de facto dado aos meus três queridos brasileiros: que se ouça esta "Sozinho" de Peninha cantada por Caetano Veloso e o seu interlúdio falado. E perceba-se que é falso que original e versões primevas sejam as melhores. A canção pode ser muito melhorada, tornada outra mesmo. Façam-no agora. E nisso controlem estes desafinados.
Caetano Veloso - Sozinho (Ao Vivo No Rio De Janeiro / 1998)
8 comentários
entulho 02.01.2023
uma guerra entre a Igreja Católica e os Evangélicos que já são 1/3 da população. a ladroeira não conta pode ouvir o 'Samba do lula' já com 10 anos
De Gaulle, teve a definição perfeita.. E a reeleição de um ex-presidiário, amigo dos copos e ainda mais amigo da família só confirma a "gaulesa frase"... JSP
Pois é, eu quando não sei o razoável de um determinado assunto não publico. Se pouco sabe do Brasil, não escreva. Além da corrupção endémica naquele país, em pouquinho mais acertou. Lula não tirou ninguém da pobreza, dar peixe não é o mesmo que ensinar a pescar, como também os desequilíbrios sociais não diminuíram, apenas aqueles que eram da cor se safaram, tal como em Portugal com a clientela PS. A desflorestação da amazónia também não diminuiu. Nas últimas eleições, em todos os estados do Norte- Nordeste, Bolsonaro obteve mais votos que em 2018, os níveis de criminalidade e de corrupção caíram a pique, quem movia a economia sentia-se apoiado. A economia apesar do Covid e da Guerra na Ucrânia estava pujante. Caetano Veloso bem como muitos da sua laia são da esquerda caviar. Sócrates, Lula, Costa, Marcelo são todos farinha do mesmo saco, são todos democratas.
Adolfo Mesquita Nunes, Ana Lima, Ana Margarida Craveiro, Ana Sofia Couto, Ana Vidal, André Couto, Bandeira, Cláudia Köver, Coutinho Ribeiro, Fernando Sousa, Francisca Prieto, Inês Pedrosa, Ivone Mendes da Silva, João Campos, João Carvalho, José António Abreu, José Gomes André, José Maria Pimentel, Laura Ramos, Leonor Barros, Luís M. Jorge, Marta Caires, Patrícia Reis, Paulo Gorjão, Rui Herbon, Rui Rocha, Tiago Mota Saraiva