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Delito de Opinião

Outra vez a agonia grega

Luís Naves, 27.05.15

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Continuamos a assistir a um teatro elaborado, com final previsível. As negociações arrastam-se sem resultados palpáveis e os negociadores gregos fazem afirmações contraditórias ou francamente deselegantes. O facto é que a Grécia está cada vez mais próxima do incumprimento. Este artigo de Vital Moreira é um texto de rara lucidez, para mais publicado num contexto onde é difícil manifestar este tipo de opinião. “O Governo grego ameaça que se entrar em bancarrota será uma catástrofe para a Grécia mas também o princípio do fim da união monetária”, escreve o autor, para concluir desta forma lapidar: “É tempo de pôr termo a esta chantagem. O que ameaça a estabilidade, a credibilidade e a integridade da união monetária é manter a todo o custo países que se recusam a cumprir as regras”.

A última frase vai ao âmago da questão. A Grécia entra em bancarrota se continuar a recusar as medidas exigidas pelos credores, sem as quais Atenas continuará eternamente a pedir mais dinheiro emprestado. Todas as ajudas dentro da união monetária estão agora ligadas a reformas no país endividado e ao cumprimento do Tratado Orçamental. No entanto, não havendo união política, os membros da zona euro não têm incentivo para cumprir o Tratado, pois podem entrar em processos negociais semelhantes ao que o Syriza tenta fazer, após enganar o seu eleitorado e usando chantagem para evitar cedências, na expectativa arriscada de conseguir no final o dinheiro de que necessita.

Estando tudo ligado, a irresponsabilidade de um país arrasta todos os outros, mas a bancarrota da Grécia pode acabar com esta deficiência da zona euro, pois passa a existir punição concreta para quem não cumprir as regras: a saída pura e simples. Este Grexit parece ser do interesse do partido que comanda o governo grego, pois o programa radical que o elegeu só pode ser cumprido verdadeiramente se a Grécia desvalorizar a moeda e introduzir controlo de capitais. Os europeus parecem igualmente dispostos a fazer a experiência, pois a punição dos mercados será no futuro mais do que suficiente para impedir o endividamento excessivo de países membros. Se tudo isto se confirmar, Portugal não terá qualquer margem de tolerância para aventuras orçamentais.

5 comentários

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    Luís Naves 27.05.2015

    Convém ser menos ideológico, concordo, e arejar as vistas. Acontece que já em Fevereiro escrevi mais ou menos o que consta deste post. Na realidade, a discussão já não é sobre se a Grécia sai do euro, se tem moeda paralela, se os gregos são pagos em euros, em yanis ou em dracmas, se a desvalorização será de 30% ou de metade. A verdadeira questão é sobre o futuro da zona euro e se a saída e um país da moeda única implicará ou não o cumprimento do tratado orçamental SEM UNIÃO POLÍTICA. Julgo que isso vai acontecer, o que implica não existir qualquer margem de manobra para ilusões.

    Nos últimos meses, tem havido uma intoxicação sistemática da opinião pública, com interpretações baseadas numa União Europeia imaginária, que nunca existiu nem existirá tão cedo. Os analistas falam em solidariedade, o que para eles significa 'os alemães pagam a conta', sem dizerem que os tratados europeus não permitem transferências directas na zona euro, tendo o dinheiro de passar por entidades supranacionais. Está tudo a fazer teatro por levar três meses a fabricar as notas: a decisão sobre o Grexit já deve ter sido tomada, é do interesse geral e mantém-se secreta pelas razões óbvias, isto não tem nada a ver com ideologia e é pena que as pessoas ainda não tenham percebido isso...
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    M. S. 27.05.2015

    Sr. Luís Naves:
    Esta sua frase é a prova provada de que a ideologia cega as análises:
    «Os analistas falam em solidariedade, o que para eles significa 'os alemães pagam a conta', sem dizerem que os tratados europeus não permitem transferências directas na zona euro, tendo o dinheiro de passar por entidades supranacionais.»
    Sabe quanto foi transferido da Grécia para fora, para a UE, desde que há euro?
    47 mil milhões.
    E porquê?
    Apenas devido à disfuncionalidade do euro aplicado a diferentes economias que jamais conseguirão funcionar com esta moeda.
    Ao mesmo tempo, o PIB alemão, que fora superior em valor ao PNB, transformou-se no seu contrário.
    Isto é, com o PIB superior ao PNB havia saída de recursos da Alemanha para a UE, agora (e desde o euro) com o PNB superior ao PIB há entrada de recursos dos outros países na Alemanha.
    Não falo das transferências administrativas contempladas nos tratados e noutros regulamentos, falo das transferências decorrentes dos processos económicos nas diferentes economias a funcionar com uma moeda e regras atinentes que produzem este efeito.
    Não se trata, temos de nos deixar, de análises económicas a partir de enfoques morais.
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    Luís Naves 27.05.2015

    Este tipo de discussão lembra a salada grega, onde se mistura tudo. As pessoas que têm dinheiro na Grécia (gregos ou estrangeiros) estão a tirar o dinheiro de lá. Embora seja zona euro, ali não há investimento e o risco da dívida subiu para níveis insustentáveis. Não sei se europeus e gregos conseguem chegar a um acordo para os próximos meses (espero bem que sim), mas a questão é estrutural: a dívida grega é brutal e o governo não parece ter a mínima intenção de fazer reformas. Entre nós, há umas discussões sobre o PNB alemão que afinal era PIB, mas serve apenas para desviar do essencial. Os recursos vão da Grécia para a Alemanha? É natural, os alemães são ricos e exportam, os gregos estão falidos; a Alemanha tem balança externa muito positiva, crescimento económico, desemprego baixo, investimento externo, financiamento fácil nos mercados, um Estado social bem sustentado; e a Grécia está falida e à beira do incumprimento, sem dinheiro para chegar à negociação do terceiro resgate. Note bem, não conseguem chegar à negociação do terceiro resgate.
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    M. S. 27.05.2015

    Pois, o que nos vale é que não há ideologia nos seus raciocínios.
    Neles não se mistura nada.
    É tudo clarinho como a água límpida.
    Valha-nos ao menos isso.
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