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É difícil imaginar o que sentem e pensam os que amamos quando passam a viver num universo de silêncio, feito de mãos que apertam outras mãos e de gestos a que apenas metade do corpo responde. E tentamos em vão adivinhar o que nos dizem os olhos que, mais transparentes que nunca, ora se fixam em nós, ora vagueiam distraídos do mundo, ou a que correspondem as tentativas mais ou menos aflitas e inquietas de comunicar o que não chega às palavras, e se limita a incompreensíveis sons, que não podem decifrar-se.
A longevidade, que é uma conquista do nosso tempo, traz consigo perplexidades e contradições, e esta será talvez a mais dolorosa e martirizante de todas: o prolongamento da existência em lenta agonia, que é apenas um sopro de vida e às vezes nos parece não ser já coisa nenhuma.
E perguntamo-nos com frequência qual o sentido de tudo ser assim, que dimensão é esta a meio caminho entre cá e lá, enquanto tentamos aceitar e adaptarmo-nos à nova realidade e a outra lógica, e nos dói a casa agora vazia de vozes e risos, onde pouco mais resta que memórias de dias felizes e objectos sem alma.
Então lembramos o que foi o maior e o melhor de todos os colos, e em nome de tantas lições de alegria e boa-disposição que recebemos, vamos aceitando tudo, vamos tentando ser amparo e aconchego na fragilidade do fim que se aproxima, e escutamos vagamente Brel, lá longe, pungente e certeiro: les vieux ne parlent plus ou alors seulement parfois du bout des yeux (...) les vieux ne bougent plus, leurs gestes ont trop de rides, leur monde est trop petit...