Os vassalos do ditador Obiang
Uma das maiores nódoas diplomáticas registadas neste século em Portugal foi o acolhimento que prestámos à Guiné Equatorial como nosso Estado-parceiro na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - apesar de ninguém ali falar português, como se comprova pela própria página oficial do Governo de Malabo, só com versões em castelhano, inglês e francês. O direito de veto que formalmente ainda nos vem reconhecido nos estatutos da CPLP tornou-se letra morta, como este caso infelizmente comprovou.
Alegaram alguns, apesar de tudo, que pelo menos isto ajudaria a abrir o país ao exterior e até a democratizá-lo. Tretas. O generoso tratamento que lhe dispensámos serviu apenas para consolidar o despótico regime de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, o ditador há mais tempo em exercício de funções no planeta. Ascendeu à presidência num sangrento golpe de Estado, a 3 de Agosto de 1979, e nunca mais largou o bastão do poder, que utiliza para vergastar qualquer tímido protesto. Todos quantos se atreveram a criticá-lo pagaram um preço muito elevado. Nuns casos, com a prisão e a tortura. Noutros, com o exílio compulsivo.
No domingo, 24 de Abril, Obiang foi novamente "reeleito" por números que dizem tudo acerca do sistema político vigente no país: 99,2% dos votos. E promete prolongar a tirania pelo menos até 2023.
Terceira maior produtora de petróleo da África subsariana, a Guiné Equatorial é também um dos Estados mais corruptos do planeta. Ocupa o 144.º dos 187 lugares no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. Tem o quarto maior índice mundial de mortalidade infantil. A maioria da sua população sobrevive com o equivalente a menos de um dólar por dia.
Repito o que aqui escrevi há dois anos: lamento que sejamos os primeiros a desprezar a lusofonia enquanto prestamos vassalagem a qualquer facínora, desde que tenha muitos barris de petróleo para exportar. A originalidade e a força da CPLP assentariam sempre na base cultural. No idioma comum, na cultura comum cimentada pela unidade linguística. A partir do momento em que o critério dominante se torna a "diplomacia económica", que venham a Turquia, a Indonésia, a Rússia ou a Noruega. E porque não a Arábia Saudita?
Sinceramente, é mais do que lamento. É repulsa. E vergonha.