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Delito de Opinião

Os ungidos, os outros e o meu voto

Paulo Sousa, 07.01.22

Os lisboetas são desde há muito, talvez desde sempre, uma amálgama de gente oriunda de muitos recantos do país, do finado império e do restante mundo. Está longe de ser a mais cosmopolita capital da Europa, mas é fácil concluir que será a cidade mais diversa do país.

Existe um círculo de lisboetas, nem todos alfacinhas nados, que por pisarem as alcatifas do poder interpretam-se a si próprios como tendo sido incensados por uma força superior que os distingue dos demais portugueses. Quando se tratam de lisboetas de adopção podemos dizer que num certo momento das suas vidas terão atravessado um pórtico reservado apenas aos escolhidos e afortunados. Depois desse momento, e que até poderá ter ocorrido de forma não consciente, passaram a considerar que os problemas do país se esgotam nas avenidas que percorrem e no que é noticiado pelos jornalistas lisboetas.

Para os nascidos já alfacinhas a dinâmica é diferente. Muito poucos alguma vez terão vivido na “província” que quer dizer fora da Grande Lisboa. É como se nascer e viver dentro da Grande Lisboa proporcionasse uma camada adicional de civilização e para eles isso é tão óbvio que dispensa explicação.

Recordo-me de no final dos anos 80, num qualquer intercâmbio escolar, uma turma de Lisboa (sei lá de onde, podia ser do Forte da Casa, de Oeiras ou até do Barreiro) visitou a Escola Secundária de Porto de Mós. Andaram por ali umas horas já não sei a que propósito, e alguns deles foram assistir a uma aula da minha turma. O livro dessa disciplina não tinha ilustrações coloridas. “Vejam lá que aqui os livros ainda são a preto e branco”, disparou logo o mais espigadote, para gáudio dos seus colegas. Podia ter sido bem pior, mas a piadola não gerou mais que uns levantar de sobrancelhas, uns olhares trocados entre nós, seguidos de uns encolher de ombros. Provavelmente o tipo até preferia ter ido naquele dia ao Jardim Zoológico, mas o melhor que lhe calhou foi um intercâmbio com um escola secundária na província.

De forma mais ou menos assumida, em todos os grupos do bicho humano existe a noção dos que lhe pertencem e dos que não partilham a mesma identidade e valores. Para o círculo dos ungidos de Lisboa, nados e adoptados, o poder pode ser tomado democraticamente, é óbvio, 25 de Abril sempre, blá, blá, blá, mas têm de ser por um dos seus confrades. Para os de fora, alcatrão e penas.

O ungidos toleraram Durão Barroso, José Sócrates (com a sua famoso casa na Rua Castilho) e António Costa, mas nunca perdoaram as gafes literárias nem o ligeiro sotaque algarvio de Cavaco Silva e muito menos as conferências de imprensa de Rui Rio feitas por a partir de hotéis do Porto.

Dito isto, aproveito este postal para fazer a minha declaração de voto não próximo dia 30.

Se o nosso sistema eleitoral não sofresse do centralismo que reflecte parte do que acima tentei retratar, em Portalegre a democracia seria igual à de Lisboa, mas isso não se verifica, pois, este deprimido distrito do interior elege apenas 2 deputados. Lisboa elege 48. Este tremendo desequilíbrio leva a que quem no distrito de Portalegre não tencione votar num dos dois principais partidos não valha a pena sair de casa para ir votar. A abstenção, como bem sabemos, resulta da falta de sentido democrático dos portugueses e depois de cada acto eleitoral todos os líderes partidários afirmam com ar sério que o país tem de estudar o fenómeno da abstenção e encontrar a forma de a reduzir. Já aqui postei sobre uma sugestão que reduziria este enorme desequilíbrio e aguardo que possa ser corrigido a breve prazo.

Leiria, o meu distrito, elege 10 deputados. Neste cenário, votar em qualquer partido que tenha menos de 10% das intenções dos voto, facilmente corresponderá ao desperdício desse mesmo voto. Se fosse eleitor em Lisboa ou no Porto (que elege 40 deputados) não duvidaria um segundo em votar IL. Se votasse no Porto ainda votaria com mais convicção pois saberia que estava a ajudar a que Carlos Guimarães Pinto fosse deputado. Não duvido que é de gente como ele, desempoeirada e com mundo, que repudia as fórmulas javardas do Ventura, com capacidade de argumentação e capaz de questionar o marasmo socialista, que o país precisa no Parlamento.

Tendo como cenário de fundo os últimos 20 anos de estagnação económica, a arrogância e a sobranceria com que o PS trata o país, é urgente que o poder mude de mãos. Milhões de portugueses acharão o mesmo, mas têm receio que o seu voto no PSD possa dar azo a que Ventura venha a ter uma palavra a dizer na futura fórmula governativa. Para os que, não fosse o receio do Chega, até votariam PSD, o que devem fazer é mesmo votar PSD. Cada voto adicional no PSD reduz o peso relativo do Chega. Para quem não usufrua do privilégio de ser eleitor num grande círculo eleitoral e queira interromper a hegemonia socialista não tem alternativa ao PSD.

Por tudo isto, por achar que a fricção entre os media e Rio e Rio e os media, se auto-alimentam, por achar que a grelha de exigência aplicada a Rui Rio só foi aplicada até hoje a Cavaco Silva, e apenas por este também se apresentar como vindo de fora dos ungidos, votarei no PSD.

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