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Delito de Opinião

Os talibãs e a tentação da carne

Pedro Correia, 28.03.17

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 Um touro desenhado por Picasso

 

Sinto uma aversão inata a todo o tipo de extremismos. Por mais em voga que estejam. Isto inclui o extremismo animalista, povoado de fanáticos com vocação para policiar comportamentos alheios. Não tenho a menor dúvida: hoje invadem ruedos e cercam ganadarias, exigindo a abolição imediata das touradas. Amanhã assaltarão instalações agro-pecuárias reivindicando o fim do abate de aves e gado. Depois de amanhã patrulharão restaurantes para impedir os incautos de consumir iscas ou bifanas.

As minhas últimas dúvidas dissiparam-se ao ler há dias, numa revista feminina, a exaltada proclamação de uma activista vegan contra os agricultores que se atrevem a colher leite em vacarias e ovos em capoeiras. Eis a tese marxista da luta de classes aplicada à relação entre o homem, as vacas e as galinhas. “Os animais trabalham indevidamente para servir os seres humanos”, escandalizava-se esta animalista, insurgindo-se contra o “stress e o sofrimento dos animais quando estão em fila para o sacrifício” em aviários e matadouros.

 

Se pudessem, no seu incansável proselitismo, estes devotos da rúcula e do agrião decretavam o consumo exclusivo de produtos macrobióticos. Aboliriam rodízios e encerrariam churrasqueiras. Proibiriam a extracção de mel das colmeias para não beliscar o labor das abelhas. A matança de porcos, frangos e coelhos seria rigorosamente interdita. No limite, todas estas espécies – só existentes pelo seu valor alimentício e, portanto, comercial – extinguir-se-iam, para deleite destes supostos defensores dos direitos dos animais. Antes vê-los desaparecidos de vez do que em “sofrimento potencial".

Como mandam as cartilhas, tudo isto ocorre em nome de autoproclamados princípios éticos, levando as falanges animalistas mais extremas a entrincheirar-se sem um esgar de hesitação contra os bípedes no milenar confronto entre homens e bestas. A exemplo daquela talibã “antitaurina” que nas redes sociais em Espanha desejou a morte imediata de um rapazinho doente de cancro só porque o miúdo teve a desdita de confessar que quando fosse grande queria ser toureiro.

“Devias morrer já”, assanhou-se a meiga patrulheira, acusando o menino de querer “matar herbívoros inocentes”.

 

Quem é capaz disto é capaz de tudo. Capaz inclusive de exigir a extracção compulsiva dos dentes caninos à população humana para evitar a proliferação do pecado entre quase todos nós, aqueles que continuamos a ceder à tentação da carne.

Já estivemos mais longe.

9 comentários

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    Einstürzende Neubauten 28.03.2017

    Deguste Justiniano. Aprecie a música Bestial!

    https://www.youtube.com/watch?v=HrpOvyO9ydo

    https://www.youtube.com/watch?v=YM-drQmBeZ8
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    Justiniano 28.03.2017

    Recomendo, caro Haber Mensch, um registo diferente. Telúrico! Um equilíbrio complexo entre o histriónico e o contemplativo!!
    https://www.youtube.com/watch?v=0ixJZQmzLBU
    https://www.youtube.com/watch?v=zAuqAOBeAQQ
    https://www.youtube.com/watch?v=cOAIsb0qkn4
    https://www.youtube.com/watch?v=FbnDxYti4VM
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    Einstürzende Neubauten 28.03.2017

    Acredita na Evolução Cultural, em que umas culturas estão, em etapas, "superiores", comparativamente a outras?

    In recent years there has been a movement convergence of this cluster of related theories, towards seeing cultural evolution as a unified discipline in its own right.

    Quanto aos Massai estamos conversados.

    Quanto à tradição desde, pelo menos, a Revolução Francesa, que ela deixou de ser legitimativa. Guiamo-nos agora pela Razão e a razão diz-nos que temos à nossa disposição outras formas de vivermos que não impliquem matança.

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    Justiniano 28.03.2017

    Meu caro não há discurso legitimador sem cultura, nem cultura, e já agora tradição, sem razão!!
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    Pedro Correia 29.03.2017

    De acordo. Não existe discurso legitimador sem cultura, nem cultura sem razão.
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    Einstürzende Neubauten 29.03.2017

    "nem cultura sem razão"

    Essa é boa! E então o rito? Poderão dizer que o rito, obedece a uma lógica interna, mas essa lógica pode ser errada e irrazoável, não dotada de razão.
    Para o louco a loucura tem sentido.

    Há razões que a Razão desconhece, mas isso não as torna verdadeiras. Apenas verosímeis para quem nelas acredita
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    Justiniano 29.03.2017

    Caro Halber, o rito tem, naturalmente, a racionalidade inerente ao interesse, ou esclarecimento, de enaltecer determinados factos da vida individual e colectiva! Fixa os elementos essenciais do percurso e vivência de uma determinada comunidade! A história universal ensina que quando determinada cultura é, em si, desprovida de racionalidade, no sentido intrínseco em que se não firma na manutenção de interesses ou num quadro normativo tendente à reprodução ou à exploração produtiva dos recursos, suicidária, tal cultura, como tal povo, têm um destino fatal, caindo, mais das vezes, às mãos de outros povos! Contudo, desde a segunda metade do sec XX que vivemos uma era de concessões onde se reconhece o direito dos povos a serem quem são, implicando tal razão a concessão de domínio sobre um determinado território que se quedará moral, económica e politicamente indigente!! Não é, portanto, o rito em si que é irracional, no sentido de irrazoável ou desprovido de razão, mas sim o sentido subjacente ao rito ou a sua teleologia! Note que os ritos estão presentes, também, nas comunidades mais prósperas e desenvolvidas económica, ética e culturalmente, e que, sobretudo, se revêm como comunidades!
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    Einstürzende Neubauten 29.03.2017

    "o rito tem, naturalmente, a racionalidade inerente ao interesse, ou esclarecimento, de enaltecer determinados factos da vida individual e colectiva"

    Parte do principio que a sobrevivência do grupo/comunidade se sobrepõe ao do individuo. Que um rito, ou meme cultural, terá tanto mais possibilidades de se manter quanto mais benéfico. E se lhe disser que mais importante que a comunidade é o individuo, como o demonstram os recentes estudos na sociobiologia e biologia evolutiva - ver Gene Egoísta ( a lei natural não obedece a um altruísmo grupal, mas sim à perpetuação do pool genético/individual de cada um. Ou seja, mais importante que a sobrevivência do grupo, para o individuo, é mais fundamental a sua própria sobrevivência, nem que para isso o grupo a que pertence saia prejudicado - veja hoje a crise económica e a falta de solidariedade entre os indivíduos - génese de revoluções)

    E se lhe disser que o rito, a maioria das vezes é unicamente um meio de controlo de quem sabe soletrar, fórmula mágica - o jargão como elemento complexificador, de baralhação, para que uns decidam por todos. O jargão, tal como a fórmula, um meio de esconder a verdade. O rito como arma de comando/subordinação. Não conhecendo o rito, não se sabe como mandar, apaziguar os deuses - hoje, os mercados.

    "história universal ensina que quando determinada cultura é, em si, desprovida de racionalidade"

    Diga-me, a nossa é provida de racionalidade? Os EUA neste momento querem aumentar o arsenal nuclear, quando já tem suficiente para destruir o mundo 10 vezes. Não me parece. A emoção faz da razão o que quer. Presumo, pelo Justiniano, sermos uma sociedade suicidária - alterações climáticas, guerras, egoísmo, e destruição do Estado Social (confirme o que se passou nas sociedades onde o Estado Social falhou - o Poder caiu na rua e com ele os fascismos, populistas; o Estado Social não foi inventado pela pena dos pobrezinhos, mas para aplacar a capacidade de destruição das massas, quando fome e crise económica se juntam - ver Revolução Francesa, onde se falou pela primeira vez na necessidade de um Estado Social)

    O que é o resultado do progresso, Justiniano?
    Britney Spears, Iphone7, ou Júnio Bruto?

    https://www.youtube.com/watch?v=2BlH5VUce3E
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