Os pupilos do professor Marcelo
Legislativas 2024 (20)
A campanha eleitoral termina hoje com bastante especulação, muito compreensível, sobre quem vencerá as legislativas. Mas uma coisa é certa: o jornalismo sai derrotado. Houve cedências crescentes e até chocantes ao infotainment - promíscua amálgama de informação com entertenimento, transformando as redacções em sociedades recreativas. Sobretudo na televisão.
Dúzias de jornalistas recriam-se como figurantes da política enquanto reality show. Procurando a notícia na rua, durante o dia, e encerrando-se à noite nos estúdios, investidos em comentadores do que haviam descrito horas antes - com o bitaite típico da conversa de café a roubar cada vez mais tempo, espaço e protagonismo à reportagem. Vários deles imitando velhos mestres-escola, distribuindo notas. Como pupilos do professor Marcelo, que inaugurou esta frívola modalidade de avaliação política há mais de 30 anos na TSF.
Confesso que abri a boca de espanto ao ver um deles, que sempre considerei um dos melhores repórteres portugueses, também reduzido agora à condição de avaliador numérico. Enquanto uma excelente repórter, que já cobriu guerras e outras calamidades em paragens longínquas, desperdiçava o talento com questionários aos líderes partidários mais próprios das revistas cor-de-rosa. Eis uma das perguntas: «Quando foi a última vez que escreveu uma carta de amor?»
Sim, o jornalismo sai derrotado desta campanha. Por culpa própria: anda há anos a esforçar-se muito para se tornar irrelevante. Assim não admira que Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos tenham recusado dar entrevistas ao Expresso, considerado o mais influente jornal português. Preferiram exibir-se perante a Cristina Ferreira nas manhãs da TVI ou marcar presença no programa humorístico do Ricardo Araújo Pereira nos serões da SIC. Faz sentido: se a cobertura jornalística adopta a lógica do reality show, siga-se o original em vez da cópia.
Pior ainda quando o modelo dos debates decalca o dos programas de bola, cheios de palpiteiros de cachecol clubístico, imitando claques de futebol. Sem o menor esforço de isenção, rigor, equidistância, frieza analítica, argumento racional: o que importa é exibir o emblema partidário.
O apogeu do ridículo talvez tenha sido esta nota 8 (em dez) atribuída quarta-feira por Ana Gomes na SIC-N ao candidato que entusiasticamente apoia enquanto aplicava ao candidato rival um metafórico pontapé nos fundilhos, brindando-o com implacável nota zero.
É salutar que as pessoas estejam cada vez mais distantes destes alegados espaços informativos que nada têm a ver com jornalismo. Estou com elas. Se as opções à escolha forem Ana Gomes e Cristina Ferreira, não hesito um segundo em votar nesta.