Ainda não li com verdadeira atenção e portanto não sei bem o que querem os professores, quais as suas reclamações e exigências - não falo da aristocracia universitária, sempre lânguida e gemebunda com as "9 horas semanais" e as "reuniões" (nunca de efectiva responsabilidade, diga-se) que tanto a fadiga. Mas sim do operariado letrado, os "setôres", os do sol-a-sol nas suas longínquas courelas.
Apenas sei das minhas experiências, insignificantes serão mas talvez ilustrem alguma coisa. E também sei que nos últimos 28 anos houve um PS sozinho no poder durante 22. Ou seja, é ele o fautor do "estado da arte", não o gonçalvismo ou quejanda formulação. Convém sublinhar isto - e notei-o há dias pois, comiscando entre gente que me é muito querida, fervorosos eleitores socialistas, dissertavam eles sobre a "manipulação da extrema-direita", os "erros ortográficos" dos manifestantes, o carácter relapso dos docentes grevistas, as ânsias exageradas dos trabalhadores. Estupefacto com tamanho reacccionarismo anti-grevista - pois sabendo-lhes os antecedentes de "esquerda" - propus que nos associássemos e entrássemos no CDS, a ver se renovamos aquele vestusto agrupamento, bastante adequado a este tipo de discursos. Olharam-me desagradados, terei azedado o tão querido convívio. Aludo ao episódio porque o "PS", a "esquerda", é isto - a culpa da actual situação é do Vasco Gonçalves, os oponentes são fascistas, e o que se diz do Sócrates é uma cabala da imprensa neoliberal...
Mas enfim, vim deixar as minhas memórias, que é o que resta aos velhos. Há 40 anos fui fazer uma licenciatura com poucos candidatos. A licenciosidade institucional de então era tamanha que os professores evitavam dobrar as aulas e congregavam os parcos alunos no horário pós-laboral - passados uns anos um tipo olha para trás e invectiva a "lata" dos instalados, ainda por cima carregados de "ética revolucionária" ou lá como se chamava ao marxismo de então. Depois cresce um bocado e percebe que aquilo era já o comodismo, de facto corrupto, do funcionalismo que, décadas passadas, veio a descambar nisto d'agora. Claro que ter "aulas à noite" foi um passo decisivo para ter eu adornado, lia tudo e mais alguma coisa que os noctívagos docentes afixavam mas não aparecia por lá, embrenhado noutras actividades menos académicas - Entrecampos tinha menos encanto do que o Bairro Alto e o Cais do Sodré. E do que os Olivais, já agora. Não divago, apenas enquadro, pois após uns anos coxos, a patinar, decidi atinar, fiz-me ao famigerado "mini-concurso" para ser setôr durante o dia e estudante à noite, a ver se assim me fazia doutor... Vim a conseguir.
Fui colocado mais próximo de casa do que era a rua da Atalaia. Mas num mundo muito diferente - e eu ia dos Olivais, não de um qualquer ninho de betos e queques...! Couberam-me 300 miúdos, filhos do operariado e do lumpen sitos para além do Trancão. Acolheram-me bem. A isso terão ajudado aqueles meus 22 anos. E também aquilo de no primeiro dia ter chegado de descapotável, emprestado, que fez furor na escola e logo me celebrizou. E de depois aportar no meu Fiat 600 voador, sempre sob pujante condução. E, talvez ainda mais, o de me fazer passear pela escola acompanhando uma beldade ali docente (Madrinha Mafalda, estás ainda mais bonita agora do que então), coisa que fazia brotar os romantismos até dos mais energúmenos dos alunos subindo assim a minha cotação... Apesar disso, no final do ano lectivo não só constatava que era impossível ensinar algo àquela mole desavinda como tinha frémitos de me voluntariar para os "Rangers" de Lamego, único estágio que considerava adequado para voltar a enfrentar universos daquela monta. "Nunca mais", clamei para mim, e segui no meu ror de trambolhões, fugindo da escola secundária como o demo da cruz. Mas sempre solidário com os (ex-)"camaradas" docentes (eles entrechamam-se "colegas", palavra horrorosa, como é bem sabido...), embrenhados em tão difíceis funções e vivências.
35 anos passaram, e cri que muito teria melhorado a escola neste país europeu, seu ambiente e nisso as condições laborais. Há alguns meses desesperei de ser convidado para secretário de Estado ou, vá lá, administrador não-executivo. Tendo sido basto publicitado um enorme défice de professores decidi concorrer. A duas íntimas, professoras apaixonadas pela sua profissão (e agora grevistas, já agora), anunciei os meus intentos e pedi conselhos: "estás louco?", "tu não aguentas!", "isto é terrível!!", "é muito duro!". Defendi-me, entre o "rancho", a "renda" e os "restos" que me cabem e tenho de pagar, e o "caramba, já fiz algumas coisas na vida..., tenho muitos kms atrás de mim". Ambas, à sua vez, coincidiram num "ok, se precisas, mas prepara-te, é mesmo muito duro". E lá me conduziram nos procedimentos, gentis, solidárias. E, presumo, pesarosas...
Ficou uma longa memória. Apenas para dizer isto: quando aquelas que seguem tão apaixonadas pela sua profissão tanto desaconselham um seu querido a ombreá-las isso tem de significar algo sobre as condições de exercício laboral
(The Waterboys - This is the sea)
Mas é claro que é mais fácil dizê-las joguetes do fascismo, e até deste agentes. O difícil mesmo é perceber que estamos no mar, que "isto é o mar". Cantar a já velha canção amarga. E navegar...
20 comentários
entulho 18.01.2023
tenho em casa Professora de Inglês de 53 anos com 2 mestrados depois da licenciatura. desistiu após 2 anos a preparar doutoramento por excesso de burrocracia. a escola actual, tal como o país é um manicómio em auto-digestão. vale mais ser balconista num supermercado joão faz de conta que é ministro
Uma amiga minha também começou a dar aulas recentemente, porque estava desempregada. E não se queixa, diz é que tem pena dos alunos, que estiveram muitas semanas sem aulas e por isso estão muito atrasados. E preocupada com alguns que, por serem estrangeiros, têm dificuldades com a língua.
staline, hitler, etc foram marginais em adultos. os alunos são os marginais de hoje devido aos índios paternos segundo conhecido Juiz isto não passa de 'local mal frequentado'
Vamos à raíz do assunto, desde há muitos anos para cá que o ensino está politizado, pela esquerda, claro. Ainda há poucos dias via um programa em que a figura entrevistada era o arquitecto Souto Moura, a certa altura o mesmo disse " quando entrei na faculdade politizei-me". E não foi pela direita, pois a mesma está desde sempre afastada do ensino. Isto diz tudo, pois o aluno não está no ensino para se politizar ou para ser politizado. A partir daí começa tudo de mau que tem acontecido neste país, pois a esquerda especialmente a mais radical, tomou conta das universidades dos meios de comunicação, da cultura, e infelizmente do plano económico. Podem vir eleições, entrar governos de direita, que a coisa não se resolve enquanto a raíz do problema não for arrancada. Quanto às reivindicações, a essência é fundamentalmente monetária, pois quando se vêm ordenados exuberantes, prémios milionários e corrupção generalizada, existe moral para pedir mais e mais, e quem fala dos professores fala de todas as classes. Os professores infelizmente não são caso único.
O que Souto Moura disse não foi nada de extraordinário. Então os grandes vultos, alguns nem tanto, da nossa história o que é que andaram a fazer na Universidade? Por muito que não quisessem, sempre iam comiscando (esta é de 500 paus) qualquer coisa com professores e colegas do seu tempo. O que é que andaram a fazer na Universidade Santana Lopes, Durão Barroso, Ana Gomes, Miguel Júdice e muitos outros políticos que apareceram nos anos de 1970/1980/90.
Vejo protestos mas, à parte o dinheiro, não vejo propostas de solução. Tudo indícios de termos 'um local mal frequentado'. Indício claro: fim das quotas! Já agora, comem todos...
Á medida que o facilistismo no ensino foi aumentando assim foi decaíndo o reconhecimento da profissão de professor e diga-se que durante muitos anos os professores viveram bem com isso. As escolas de hoje são meros repositórios de alunos e temos até a obrigatoriedade de 12 anos de escolaridade quando se pode (ou podia) começar a trabalhar aos 16. Sempre soube que não queria ser professor sobretudo pela falta de ordem na sala de aula que já no meu tempo de aluno acontecia e imagino que agora seja bem pior. Hoje em dia está tudo na net á mão de semear sobretudo nas disciplinas de humanidades que sempre considerei um mero acessório para o realmente considero importante, imagino que os TPC se é que ainda existem sejam feitos em casa junto ao portátil enquanto se posta no face ou no insta. A escola e os professores sobretudo os que andam pela casa dos quarenta são reféns do precurso que fizeram e agora estão chateados mas querem é melhores condições salariais (é só isso) senso que o unico ponto com o qual simpatizo é o facto de estarem sempre a serem colocados longe de casa mas provavelmente se assim não fosse haveria muito mais professores desempregados pois é preciso que muitos desistam pelo caminho por essa e por outras razões para não se notar muito.
PS - Quando andava na primária só tinha-mos aulas durante a tarde ou manhã e o resto do tempo brincávamos, é pena que hoje assim não possa ser.
Nem vou ao conteúdo, não vale a pena. A forma como este anónimo escreve demonstra plenamente o que ele afirma: "disciplinas de humanidades que sempre considerei um mero acessório para o realmente considero importante". Será daqueles que entendem que basta perceber o que se quer transmitir. Que a linguagem oral ou escrita, mero instrumento desprovido de valor próprio, não vai além disso (o mundo do "face" e do "insta", onde se "posta", nas sábias palavras do anónimo). Só que aqui, perante o primitivismo formal do texto, nem verdadeiramente se poderá estar certo de que tal se perceba.
Sim não vale a pena ir ao contéudo pois ele muito pobre segundo a sua avalição mas para mim o que conta é que mesmo com crueza e pobreza ele é certeiro, infelizmente. Volto a dizer a escola de hoje é o reflexo de anos de facilistismo e é um mito que faltam professores. Quanto as humanidades (no meu tempo eram assim designadas) só servem para criar falsas expectatidas mas até os alunos da altura já se apercbiam disso.
Costa, não vale a pena... já por aqui deixei do meu desprezo por esta gente que tão ignorante segue continua a pensar que refutar a pertinência das "humanidades" ou "ciências sociais" é ser de "direita" virtuosa. Dizem-nos alguns letrados, dizem-no alguns que são incapazes de hifenizar correctamente. O que retiro disso é que algumas pessoas não têm qualquer vergonha de se assumir em público como estúpidos. Outras têm-na, um pouco, e escrevem em regime de anonimato.
Pois não vale a pena senhor JPT, eu não disse que as humanidades são dispensáveis ou despresíveis apenas disse que não levam o pão á boca nos dias que correm (e já no meu tempo de liceu), querer escamotear este facto é um dos argumentos de quem vive num passado distante e com as bonomias (ou não) do presente. Existem professores a mais e sobretudo em áreas de pouco interessse profissional e que não consta que tenham alunos sem aulas. Existem cursos superiores a mais (sobretudo no ensino publico) e que não oferecem qualquer perspectiva de vida futura a quem os tira a não ser dar aulas e andar com a casa ás costas (já no meu tempo de liceu isso acontecia). A escola publica foi destruida pelos sucessivos governos com a complacência dos professores e quem disser o contrário está a faltar á verdade. A rotatidade dos professores nas escolas é um dos sintomas de um país sem rumo. Quanto á minha estupidez pois que seja mas o que escrevo aqui também o digo em publico e os erros ortográficos decorrem sobremaneira do facto de ter aprendido uma coisa e hoje nos obrigarem ao AO90 mais um erro dos professores.
"Quem se coloca no terreno nacional não tem partidos, nem grupos, nem escolas…“
Os Socialismos destruiram o ensino e no socialismo incluo os do PSD e CDS. Agora é apenas um deposito de crianças. A primeira coisa seria por fora quem não quer lá estar...
Por que razão a palavra colega é horrorosa? Um colega é o tal que desempenha funções iguais ou semelhantes às nossas, em geral na mesma empresa ou instituição. Não é um amigo, mas está além do simples "conhecido", vive os mesmos problemas profissionais que nós e tem idênticos rasgos de sorte e desaire na profissão; é alguém que, no mundo profissional, nos entende. E, se tantos se tratam assim, será o termo tão desajustado?! Não vejo razão para não chamar colegas a pessoas que enquadram no perfil, nem tenho absolutamente nada contra.
Bea, o assunto é muito sério e é credor de ser abordado com a densidade e intensidade necessárias. Mas aqui, neste (meu) registo blogal, assumidamente superficial e ainda por cima desde logo anunciando que não estou a par das questões em jogo, permiti-me um tom pessoal, não menosprezando mas não me atendo ao requerido no debate em curso - que deve ser conduzido por quem sabe da poda. E assim deixei cair este sorriso sobre a palavra "colega", da qual não gosto - mais que não seja, desculpará, por ter feito a tropa, na qual ela é assumida como cúmulo da desvalorização.
Entre tanto comentário, gostei do de António Carlos Cortez. A opinião de um Professor: séria, rigorosa, de conjunto. Distinguindo o trigo do joio. Como disse o jpt, deixo o tema - que é sério - aos entendidos. Os professores têm a minha inteira solidariedade. O mesmo não acontecendo com o trabalho dos sindicatos (o STOP por exemplo; mas há mais), cujo me merece crítica. E, em certo aspecto, tira mesmo valor a uma luta que é inteiramente justa e necessária. A bem da educação e do futuro. A bem da democracia portuguesa. O termo "colega", a que não dou qualquer sentido pejorativo, é-me muito comum. Será por não ter ido à tropa. Bom dia:)
Refere-se a este texto (https://www.dn.pt/opiniao/a-educacao-em-portugal-o-direito-a-indignacao-15667710.html)? Googlei e foi este que li. Realmente interessante - e provocatório do poder..., obrigado. Quanto ao que refere do sindicalismo eu apenas posso ecoar o que os professores que conheço me disseram, e o que disso retiro - pois dá-me a sensação de que este é um caso que mostra uma mudança no mundo sindical tradicional. As recentes propostas governamentais terão sido mornamente acolhidas pelas estruturas sindicais dominantes. O recente Stop criticou-as veementemente. E apesar de recente e pequeno encabeçou as iniciais contestações gerais, que acolheram imensa apoio entre a classe profissional. Em Dezembro a célebre FENPROF, instrumento sindical do PCP, tinha marcado um protesto para ... Março. Depois do impacto das contestações iniciais os outros sindicatos acorreram a associar-se a esta vaga contestatária - e o peso dos aparelhos e da sua ligação à imprensa é tamanho que agora já vemos imensas reportagens centradas na figura do sindicalista Mário Nogueira, o que diz bem do estado letárgico da imprensa. E, claro, tanto governo como as estruturas tradicionais (e seus líderes eternos) carregaram na tecla dos sindicatos de "extrema-direita", dos "fundos esconsos" que apoiam grevistas (caramba, fundos para apoiar grevistas é coisa habitual desde os meados de XIX, só os funcionários partidários e os avençados do poder PS parece terem esquecido isso). Ou seja, é-me muito mais penoso ver a continuidade do sindicalismo como mero braço dos partidos instalados do que ver confundido esse marasmo
Não. Vi o professor num programa da SIC notícias (talvez o jornal da noite) que o blogue IP azul colocou num post. Está tb no you tube - Crítica de António Cortez: Salários, Avaliação de Desempenho, Quotas, Futuro da Escola Pública. Não acredito em sindicatos apartidários. Ainda se descobre quem move o STOP. Mas os professores estão cobertos de razão.
Adolfo Mesquita Nunes, Ana Lima, Ana Margarida Craveiro, Ana Sofia Couto, Ana Vidal, André Couto, Bandeira, Cláudia Köver, Coutinho Ribeiro, Fernando Sousa, Francisca Prieto, Inês Pedrosa, Ivone Mendes da Silva, João Campos, João Carvalho, José António Abreu, José Gomes André, José Maria Pimentel, Laura Ramos, Leonor Barros, Luís M. Jorge, Marta Caires, Patrícia Reis, Paulo Gorjão, Rui Herbon, Rui Rocha, Tiago Mota Saraiva