Os patriarcas (1)
ANTÓNIO GENTIL MARTINS
Há umas semanas, um senhor vestido formalmente passou por mim em passo muito ligeiro na Praça de Londres. Olhei-o de relance e logo o reconheci: era António Gentil Martins. Quem o visse caminhar de forma tão desenvolta jamais diria que ia ali alguém já na nona década de vida.
Lembro-me da primeira vez que ouvi falar dele: foi em Outubro de 1978. Gentil Martins tornou-se notícia de primeira página ao assumir pela primeira vez em Portugal uma operação de alto risco que muitos imaginavam votada ao insucesso: a separação de duas gémeas siamesas. Chefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital Dona Estefânia (funções que desempenhou durante 34 anos), não virou a cara ao desafio. E superou-o com êxito: as gémeas ainda hoje festejam esse dia como o do seu “segundo nascimento”.
Se de alguma coisa pode orgulhar-se naturalmente este médico – neto materno de Francisco Gentil, fundador do Instituto Português de Oncologia – é poder estar na primeira linha do socorro a vidas ameaçadas. Há uns anos confessou à jornalista Anabela Mota Ribeiro que sentiu despontar-lhe esta vocação aos 11 anos, quando viu um homem atropelado esvair-se em sangue na via pública.
Este lisboeta viveu três anos em Inglaterra antes de casar e tornar-se pai de oito filhos. Católico convicto, ainda pensou ser padre. Mas viria a exercer outro sacerdócio: resgatar vidas em vez de salvar almas. Licenciado pela Faculdade de Medicina de Lisboa em 1953, conta com mais de dez mil operações no vasto currículo. Orgulha-se em particular das seis separações de siameses – com nove sobreviventes.
Chegou a ser convidado para secretário de Estado da Saúde, mas recusou: a política nunca o atraiu. Ao contrário do desporto: praticou ténis e tiro com pistola automática – nesta última modalidade, participou como representante português nos Jogos Olímpicos de 1960, disputados em Roma.
Integrou a Direcção da Associação de Estudantes de Medicina, foi bastonário da Ordem dos Médicos (1977-86) e presidente da Associação Médica Mundial (1979-83). Através dos tempos, manteve-se fiel à divisa inspirada no célebre poema If, de Rudyard Kipling: «O homem só é verdadeiramente homem quando se ultrapassa a si mesmo.»
Tantos anos depois, lá continua com o seu passo ligeiro. Crente de que vida recomeça todos os dias. E que todos temos um desígnio a cumprir: basta sabermos exercer com perseverança os nossos dons.
António Gentil Martins, nascido a 10 de Julho de 1930, faz amanhã 85 anos.