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O José Navarro de Andrade levanta no excelente texto “Quando a Música Parar”, um pouco mais abaixo, um problema interessante e concordo no essencial com o que ele escreve. No entanto, ao usar a expressão “democracia liberal”, torna-se mais difícil compreender este fenómeno dos desafios à ordem instituída. Qual a razão de usarmos tantas vezes a expressão “democracia liberal” quando falamos das democracias europeias? O modelo europeu é essencialmente social-democrata, com muita participação conservadora. É liberal no sentido de universalizar as liberdades de mercado, de pensamento, de religião, os direitos cívicos, mas nada disto é posto em causa pelos partidos “iliberais” que o post regista.
Enfim, nenhum dos eurocépticos quer acabar com a democracia no seu país, com o voto livre no seu país, nem sequer com a liberdade religiosa das suas minorias (desde que não se reze na rua). Os partidos iliberais da direita (os que têm algum sucesso) desejam restringir a imigração; os da esquerda pretendem taxar os ricos e a banca, controlar os mercados; por vezes, os da direita também querem refrear o sistema capitalista, mas não consigo referir nenhum partido europeu de peso que defenda o fim da democracia representativa, o fecho das bolsas, o encerramento dos parlamentos ou restrições à liberdade de expressão.
Nos anos 30, as frágeis democracias europeias criadas no final da Primeira Guerra Mundial foram lentamente sufocadas por partidos anti-parlamentaristas que criaram regimes ditatoriais e que defendiam em campanha a ideia de abolir a democracia. Tirando franjas lunáticas, julgo que isto hoje não existe.
Nos meios de comunicação, sobretudo ocidentais, há certa confusão sobre o “iliberalismo” nos países de leste, daí a inclusão do ‘Caso Orbán” na lista do texto. Tenho tentado explicar aos leitores do Delito que, sendo iliberal, o primeiro-ministro húngaro não deixa de ser democrata. Não quero maçar os leitores, mas por razões históricas, relacionadas com o colapso do regime comunista, os raciocínios que vemos aplicados no Ocidente não são aplicáveis no leste, como veremos também no caso polaco.
A Polónia vota amanhã e os conservadores do Partido da Lei e Justiça (PiS) deverão vencer com folga, embora sem maioria absoluta. É possível que os conservadores façam uma coligação com pequenos partidos populistas ou centristas, mas alguns à esquerda falam na possibilidade de ser criada uma maioria negativa semelhante à que se desenha em Portugal, ou seja, o vencedor das eleições seria afastado do poder através de uma super-coligação pós-eleitoral de partidos muito diferentes entre si.
Julgo que acabará por não acontecer, mas fala-se. A “esquerda”, ou aquilo que aqui interpretamos como esquerda (SLD, pós-comunistas) arrisca-se a nem entrar no parlamento; de qualquer forma, terá um resultado inferior a 10%; os centristas da Plataforma (PO, liberais e europeístas, no poder) devem perder as eleições e a sequência dos acontecimentos dependerá da diferença que existir entre os dois maiores partidos. Uma diferença grande facilita a coligação liderada pelos conservadores; a diferença pequena pode levar a certa instabilidade.
Tudo indica, pois, que a Polónia terá um novo poder semelhante ao húngaro, com “má imprensa” no exterior, desconfiado em relação à Europa, mas neste caso bastante mais hostil em relação à Alemanha. A “democracia liberal” perde para a “democracia conservadora, nacionalista e ultra-católica” e, se a diferença for pequena, podemos ver um aumento da crispação política, isto se persistir a tentação de se criar a tal maioria negativa de curta duração. De qualquer forma, acentua-se o fosso crescente entre as “democracias liberais” da UE ocidental e as “democracias iliberais” da UE de leste, que os meios de comunicação dos países ricos gostam de descrever como ainda selvagens e trauliteiras, em oposição à ordeira Europa intergovernamental da “liberal merkolândia”.
O que conduz à minha explicação para este problema do desafio à ordem instituída: quando os eleitores dos pequenos países não são ouvidos, há tendência para surgirem partidos de protesto com algum êxito; quando uma parte do eleitorado é excluída (os vossos votos não interessam), existe tendência para aparecerem partidos populistas; quando as elites ignoram as ansiedades sociais, reforça-se o nacionalismo.
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