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Delito de Opinião

Os Óscares já não são o que eram

Pedro Correia, 21.05.21

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Os Óscares já não são o que eram. De ano para ano, cresce o desinteresse em torno das estatuetas. Não apenas nos EUA, mas um pouco por todo o mundo.

Desta vez registou-se a maior queda de audiências de que há memória. Uma tendência em que os galardões da Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood acompanham o que sucedera na cobertura dos prémios Emmy, em Setembro: 5,1 milhões de espectadores (menos 14%) e dos Grammy, em Março: 9,2 milhões (menos 51% em comparação com os 18,7 milhões que seguiram a cerimónia em 2020).

Em termos sentimentais, para muitos cinéfilos, um Óscar será sempre um Óscar. Mas grande parte do fascínio que envolvia a distribuição dos mais cobiçados prémios da Sétima Arte parece ter-se perdido para sempre. Os números confirmam: a mobilização dos espectadores caiu a pique. A 93.ª edição, recentemente realizada, atraiu 9,8 milhões de espectadores – 58% menos do que os 23,6 milhões que tinham assistido à transmissão no ano passado. E muito abaixo dos 41,6 milhões que em Março de 2010 acompanharam o intenso duelo entre dois filmes: Avatar, de James Cameron, e Estado de Guerra, de Kathryn Bigelow.

Passaram apenas onze anos, mas parece ter sido há uma eternidade. De então para cá, Hollywood tornou-se capital da correcção política, substituindo a consagração artística pelo catecismo ideológico. E as sessões de distribuição de prémios, em vez de enaltecerem a magia do cinema, tornaram-se maçadoras maratonas de evangelização em via única, sem qualquer sopro contraditório. Receita segura para afugentar o público. Ninguém tem paciência para ouvir quatro horas de pregações e ladainhas a pretexto da celebração de filmes.

 

Parafraseando o juiz Ivo Rosa, é pouco recomendável mercadejar política a pretexto da indústria do entretenimento. Esta entrou em decadência no momento em que se deixou contaminar por quotas étnicas e sexuais tornadas já obrigatórias para cada elenco. À luz deste critério, filmes como O Padrinho, Casablanca ou Citizen Kane nunca teriam visto a luz do dia.

Em 2018, Javier Marías – o melhor romancista espanhol contemporâneo – confessou o seu imenso tédio ao ver na TV uma versão actualizada do western Os Sete Magníficos, surgido em 1960. Na versão homónima de 2016, os sete integravam um mosaico multirracial – havia um negro, um índio, um hispânico, um asiático. Como se a assembleia-geral da ONU tivesse sido transposta para o velho Oeste selvagem. «Desinteressei-me, por ser tão inverosímil»,  observou o escritor numa crónica.

Somos muitos a pensar como ele. Péssima notícia para a RTP, que em 2021 – vinte anos depois – voltou a garantir o exclusivo da emissão dos Óscares para Portugal. Com manifesto insucesso: atraiu pouco mais de 150 mil espectadores, enquanto a SIC captava mais de 440 mil e a TVI ultrapassava os 340 mil. Sermão por sermão, antes a missa dominical.

 

Texto publicado no semanário Novo

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