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Delito de Opinião

Os negacionistas da guerra

jpt, 04.04.22

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(Bucha, Ucrânia; Fotografia BBC/Lee Durant)

Todas as guerras são porcas. Enquanto se potencia o poderio bélico cria-se um conjunto de convenções limitadoras do seu uso - em tipo de armas, na abrangência de alvos e em contextos de aplicação -, o "longo braço da lei" procurando acompanhar o "(cada vez mais) longo braço da munição".

Nisso algo se mudam as sensibilidades, os valores, e à comum justificação por "razão de Estado (beligerante)" dos bombardeamentos de alvos civis, típicos das guerras industrializadas, sucedeu-se a sua denúncia, criminalização, e, recentemente, a contramão discursiva da esfarrapada desculpa dos "danos colaterais". Bem como se afirmou a recusa do destratamento de civis, a necessidade de enquadramento de prisioneiros ou o aligeirar de práticas face à deserção.
 
Nada disto é linear, tudo é ciclicamente posto em causa - por exemplo, nós fuzilámos desgraçados arregimentados ditos desertores até 1917 (apesar do patético mito nacionaleiro do pioneirismo do final da pena de morte) e matámos prisioneiros durante as guerras coloniais (apesar do patético mito nacionaleiro do "modo especial de ser português"). Mas é um processo necessário, ético: a defesa da paz é concomitante à defesa da guerra - quando inevitável - feita "com modos". É civilizacional, para usar o velho e problemático termo.
 
As imagens que chegam agora da Ucrânia são terríveis. São mais um exemplo, e tão recorrentes são eles, de guerra porca. E é isso que é relevante. Muito secundário é o facto das reacções dos nossos vizinhos, que por aqui andam botando. Mas ainda assim são de realçar, pois trata-se de gente que vai ao mesmo shopping, ao mesmo centro de saúde. E, pior, à mesma assembleia de voto. 
 
Há muitos anos que torço o nariz a esta dicotomia "direita/esquerda" - quanto ao seu conteúdo mas ainda mais quanto à sua dimensão axiológica - que anima tantas da mentes que se julgam cultas. E neste caso da guerra ucraniana a relativa irrelevância - programática mas acima de tudo axiológica - dessa dicotomia é gritante. Temos visto adesão, explícita e implícita, à via russa na esquerda - mas não só dos comunistas (PCP / BE), pois vê-se muita tralha desta de socialistas "de esquerda" e seus correlatos maçónicos, entretidos no ataque aos avatares do "mundo ocidental" e, a este propósito, a vasculharem a história recente para efeitos desculpabilizadores do que se passa agora.
 
Mas não só nesse ambiente ideológico, pois abundam discursos similares provenientes da direita, tanto defendendo a pertinência russa como também apoucando a reacção "ocidental" e apupando a imprensa que se refere a esta guerra. São os soberanistas, anti-europeístas, que aqui viram - nas suas confusas mentes - um filão para alimentar essas perspectivas. E essa gente não se restringe à mole de adeptos do CHEGA, tão atrapalhado este ficou nesta situação. É gente que ao longo dos anos propagandeou e propagandeia o seu voto em múltiplos partidos de centro/direita.
 
E desde ontem, face a estas novas imagens, pululam neste rossio moderno da "rede social", invectivando a "encenação" ucraniana, negando esta possibilidade, enfeixados no seu negacionismo do real, patéticos prosélitos russófilos. Não são os "comunistas". Nem os "fascistas" do CHEGA. São os burguesotes de sofá, desses que vota(ra)m "AD". É uma ralé. Selvagem.

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