Os Mistérios do "Tal Canal"
Um dia destes andei a ver antigos episódios do “Verão Azul” e confesso que fiquei admirada com a quantidade de pares de estalos que são sendo arriados naqueles putos ao correr das histórias. Só o Piranha levou para cima de meia dúzia num dia em que se resolveu armar em esperto e fazer greve de silêncio em casa.
Já não me lembrava de ter feito parte de uma fornada de malta cujos pais, para nosso próprio bem, não tinham qualquer pudor em nos pespegar umas boas e velhas galhetas. E eu levei umas quantas, confesso, sobretudo pela minha velha mania de não me saber calar nos momentos cruciais. Se em alguns casos considero que até foram bem arriadas e que me prepararam para a dureza da vida, noutros casos, demorei uma data de anos a engolir a injustiça da punição corporal.
O caso mais gritante foi o “Caso Tal Canal”. Ora o popular programa do Herman foi para o ar em 1983 quando eu tinha uns ingénuos 12 anos. Não havia qualquer hipótese de conseguir fazer segundas leituras dos sketches, mas, mesmo ficando-me pelos sentidos mais literais, ria-me que nem uma perdida, em uníssono com o resto da família. Achava um piadão ao Menino Nelito a infernizar a vida da sôdona Palmira, ao Estebes a falar à Puorto, ao Victor de Sousa a fazer de entrevistador, a Helena Isabel de locutora e por aí fora.
Andava tão entusiasmada com a revoada de humor que cantava incontrolavelmente a letra do genérico por todo o lado, inclusivamente à mesa do jantar em família, sublinhando efusivamente o verso final de cada estrofe, que acabava invariavelmente em “...e o que mais adoro em ti é o tal canal”. Com cara de poucos amigos, um dia o meu pai lançou-me o primeiro cartão amarelo – “Fazes favor de não cantar isso”.
Ingenuamente achei que o alerta tivesse por base o facto de estar a cantar à mesa. Nunca me passou pela cabeça que a letra desta ritmada canção pudesse conter significados obscuros. De maneira que não me inibi de, à primeira oportunidade, voltar a gritar pela casa fora “...e o que mais adoro em ti é o tal canal”, “...e o que mais adoro em ti é o tal canal”, “...e o que mais adoro em ti é o tal canal”. Até que PUMBA, lá saltou a lamparina da ordem, que aquilo não era casa em que se falasse dessas coisas (embora eu não fizesse a mínima ideia de que coisas estavam a falar).
Só muito recentemente, ao rever o genérico do programa, já com idade para cantarolar o que bem me apetecesse, finalmente se fez luz no espírito relativamente ao mistério ginecológico que estava por detrás do “Tal Canal”.
Felizmente, os pais já se deixaram desta mania de andar a chegar a roupa ao pêlo à criançada por motivos musicais, caso contrário assistiríamos a espancamentos em praça pública, à porta da “Ilha Aventura”, quando crianças de 5 anos bamboleiam as ancas ao som “del moviemento sexy”.
E não, não vou falar do magote de miúdas de 10 anos das aulas de hip hop da escola católica dos meus filhos que se apresentaram num teatro matinal, envoltas em plumas, a lançar para a frente os braços numa coreografia convidativa que implorava “give me, give me, give me a man after midnight”. Sim, já nem falo disto. Não vá eu provocar, numa de revival, o regresso a alguns costumes bíblicos que implicavam apedrejamento.