Os melhores livros do meu ano (2)
Como referi anteriormente, há muitos anos que não lia tantos livros como neste 2020 prestes a ficar para trás. Desde a adolescência, mais precisamente. O longo período de confinamento a que estive sujeito, à semelhança do que sucedeu com tantos de nós, incentivou-me a mergulhar ainda mais na leitura. E com proveito, devo confessar.
Ler, como alguém assinalava um dia destes, é a actividade intelectual que mais nos permite contrariar tendências dominantes, rejeitar o espírito de rebanho ou alcateia e mergulhar na subjectividade - no fundo, aquilo que nos diferencia dos restantes mortais.
Senti isso como nunca neste ano de pesadelo. Graças, em boa parte, a autores que escreveram sobre mundos e modas tão diferentes dos que agora experimentamos. Esta é uma conquista ímpar da literatura: fazer-nos viajar a qualquer momento no tempo e no espaço, abrindo-nos horizontes de toda a espécie. Graças a ela, ficamos a saber o que nos antecedeu e a conhecer a face oculta do que nos rodeia. E passamos até a ser iluminados sobre nós próprios.
Fica a lista dos dez melhores livros de autores estrangeiros que li no Ano da Pandemia. Por ordem alfabética, para facilidade de consulta.
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A IDADE DA INOCÊNCIA, de Edith Wharton (1920). Romantismo tardio cruzado com suave mas inequívoca denúncia social: eis alguns ingredientes desta fascinante viagem literária que nos apresenta a arrogante e pretensiosa classe dominante de Nova Iorque na década de 1870, com mais sombras do que luzes.
A MÃE, de Máximo Gorki (1907). O primeiro - e talvez o melhor - romance da escola do "realismo socialista", que mesclava ficção literária com cartilha política e produziu imensas cópias inferiores em que o talento se rendia ao proselitismo. Inesquecível, a personagem principal - figura cimeira da literatura.
A MENTE APRISIONADA, de Czeslaw Milosz (1953). Corajoso libelo contra o totalitarismo comunista a partir da experiência do autor, no auge da ditadura vermelha na Polónia, antes de rumar a um exílio que durou décadas e lhe custou a perda da cidadania. O equivalente em ensaio a O Zero e O Infinito em ficção.
A TIA JULIA E O ESCREVEDOR, de Mario Vargas Llosa (1977). Até que ponto a vida, tal como ela realmente é, pode funcionar como eficaz matéria literária? Desafio difícil, mas superado com brilhantismo neste divertidíssimo romance, aquele em que o Nobel de 2010 mais se desvenda sem biombos nem artifícios.
CORAÇÃO TÃO BRANCO, de Javier Marías (1992). Talvez o melhor romancista actual de Espanha, Marías elabora aqui uma teia de encontros e desencontros que se vão prolongando no tempo e no espaço, suscitando-nos interrogações sobre o destino humano. Basta o capítulo inicial para ascender ao patamar de obra-prima.
O AMANTE DE LADY CHATTERLEY, de D. H. Lawrence (1928). Muito mais do que um clássico da literatura erótica, é um estudo admirável da psicologia feminina e uma desassombrada denúncia dos preconceitos sociais vigentes na Inglaterra saída da I Guerra Mundial, ainda povoada de sombras atávicas.
O DEUS DAS PEQUENAS COISAS (1997). O realismo mágico transposto para uma comunidade cristã na Índia com um arrojo e uma destreza literária em nada inferiores ao de Gabriel García Márquez. É também uma obra sobre as marcas da infância que permanecem para sempre inscritas nos sulcos da memória.
O MUNDO PERDIDO, de Conan Doyle (1912). Livro de aventuras, na mais genuína acepção do termo, esta obra-prima demonstra-nos que existem sempre novas fronteiras por desbravar, por vezes em desafio aberto à lógica cartesiana. Recomendável aos nostálgicos do género, que suscita fascínio em todas as idades.
RESSURGIR, de Margaret Atwood (1972). Admirável romance sobre o fascínio das raízes familiares, os precários laços afectivos que provocam cicatrizes e a atribulada relação entre o homem e a natureza, desenrolada em cenário florestal do Canadá. Ambientalista e feminista antes de estes conceitos se tornarem moda.
RETRATO DO ARTISTA QUANDO JOVEM, de James Joyce (1916). Um dos melhores livros sobre as encruzilhadas da adolescência: Joyce conduz-nos à sua Dublin natal do final do século XIX em óbvia evocação autobiográfica. Tornando-nos testemunhas privilegiadas das suas crises de identidade e dos seus dilemas existenciais.