Os melhores livros do meu ano (1)
Já vem tarde, mas creio que ainda chega a tempo. Faço um balanço das minhas leituras feitas em 2021, Ano II da Pandemia, muito marcado pela imobilidade forçada, e que, entre as raras compensações, me permitiu usufruir de mais horas dedicadas à leitura. Como num regresso tardio à adolescência, quando tinha tempo para tudo - incluindo para devorar qualquer livro que me chegasse às mãos.
Tal como no ano anterior, em 2021 consegui ler cem livros completos. Dos mais diversos géneros, mas bastante centrados na literatura portuguesa de ficção do século XX - para tentar dar corpo a um projecto que gostaria de ver materializado em ensaio literário. Não custa tentar, veremos no que dá.
Também à semelhança do que já sucedera em 2020, dediquei mais tempo à leitura do que ao cinema, contrariando um hábito há muito enraizado. Nos dias que correm, os filmes interessam-me bastante menos. Porque já vi grande parte do que gostaria de ver - incluindo a esmagadora maioria dos clássicos da Sétima Arte. E também porque nada me atrai hoje na chamada "indústria cinematográfica", precisamente a que domina os circuitos de exibição e comercialização.
Como acontece com vários dos meus leitores, julgo, vi muito mais séries do que filmes. Não apenas nos canais por cabo mas numa das principais plataformas dedicadas ao género, a Netflix, de que sou assinante periódico. Mas também aqui é necessário peneirar bastante: a maioria da oferta não me agrada.
Tenciono falar delas um dia destes. Agora venho partilho convosco o balanço das leituras, na expectativa de vos deixar sugestões úteis.
Durante três dias, revelarei aqui a lista dos dez melhores destes cem, multiplicada por três: a primeira, já de seguida, respeitante só a autores portugueses. Amanhã virão os autores estrangeiros. Depois de amanhã, recordo os dez que mais gostei de reler. Títulos sempre acompanhados por duas ou três frases sobre cada obra.
Cada lista fica por ordem alfabética. Podia ter sido outro o critério, mas prefiro este.
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A CAPITAL, de Eça de Queiroz (1925). Um dos romances menos conhecidos do autor d' Os Maias. E um dos mais cáusticos. Obra póstuma, escrita ainda na juventude, inclui já quase todos os temas dominantes no imaginário de Eça. Com uma personagem inesquecível: Artur Corvelo, homem que tenta tudo para subir na vida. Podia ser hoje.
A TORRE DA BARBELA, de Ruben A. (1964). Genial cruzamento dos romances de cavalaria com histórias de fantasmas e folhetins românticos, tudo polvilhado com sátira inteligente e diálogos surrealistas, numa espécie de revisitação burlesca da História de Portugal. Obra-prima de um autor desaparecido demasiado cedo.
ANDANÇAS DO DEMÓNIO, de Jorge de Sena (1960). Mais conhecido como poeta e ensaísta, Sena foi igualmente magnífico prosador. Em formato longo, legando-nos o romance Sinais de Fogo, e também em pequenas mas marcantes narrativas. Este volume comprova-o em contos como "História do Peixe-Pato" e "A Janela da Esquina".
ERNESTINA, de J. Rentes de Carvalho (1998). Memórias? Crónica novelesca? Romance de não-ficção, ao jeito de Truman Capote? Pouco importam as etiquetas. Aqui estamos perante literatura digna de quadro de honra. Que é também um retrato impressivo e vívido de um Portugal que muitos não conheceram e já poucos recordam.
FELIZMENTE HÁ LUAR!, de Luís de Sttau Monteiro (1961). Teatro é para ver representado em palco, não para ler. Mas, quando o texto tem qualidade, até resulta em leitura proveitosa. É o caso deste drama em dois actos, centrado na execução do general Gomes Freire de Andrade em 1817 - símbolo de outras injustiças e outros tempos de opressão.
ÍNDICE MÉDIO DE FELICIDADE, de David Machado (2013). Um dos mais estimulantes romances portugueses surgidos na última década. Muito influenciado pelos road movies, transporta-nos por estrada de Lisboa a Barcelona na companhia de um heterogéneo grupo de amigos e conhecidos. Comovente e divertido: vale a pena seguir viagem com eles.
O ESPLENDOR DE PORTUGAL, de António Lobo Antunes (1997). Fulgurante romance que estabelece uma espécie de rima interna com uma das primeiras obras do autor, Os Cus de Judas. Também com Angola como cenário. Mas aqui fala-se de civis, não de militares. E das marcas que a descolonização deixou. Sem temores nem tabus.
O MILAGRE SEGUNDO SALOMÉ, de José Rodrigues Miguéis (1975). Injustamente esquecido, é um dos grandes textos de ficção do nosso século XX. Grande em vários sentidos - a começar no número de páginas, cerca de 700. Do final da monarquia ao início da ditadura pós-28 de Maio, com alusões óbvias a Fátima. Merece ser lido e divulgado.
O RETORNO, de Dulce Maria Cardoso (2011). Angola, de novo. Na perspectiva de adolescentes que lá nasceram e se viram forçados a embarcar para a distante Lisboa fugindo ao morticínio na Luanda de 1975, pré-independência. Os chamados "retornados". Será possível retornar a um lugar onde nunca se viveu?
TERRAS DO DEMO, de Aquilino Ribeiro (1919). Um dos primeiros e melhores romances de mestre Aquilino, um dos nossos mais inconfundíveis prosadores. Em páginas que nos transportam ao esquecido Portugal do interior serrano, onde as paixões mais primárias e superstições de todo o género andavam à solta, longe de qualquer verniz citadino.