Os jovens e o Covid-19
Sendo de 64 a grande crise, pois o verdadeiro incómodo, da minha adolescência foi a da greve da Tabaqueira, uma infame agressão da classe operária que nos obrigou, durante meses que pareceram anos, a fumar "Fortuna", o veneno espanhol com que a família Borbón entendeu retribuir o asilo que o país lhe concedera em tempos que lhes haviam sido menos faustosos. Nunca Esquecer! tamanha vilania da vizinhança ...
É certo que as ameaças maiores eram outras, naquele tempo pós-punk mas pré-grunge, pois se rockando ele "Rust Never Sleeps" ninguém lhe atentava na "needle and the damage done", e muito se seguia o outro na ânsia de ser herói por um dia, nadando (ou dançando ...) como um golfinho, ouvindo-o como se aquilo fosse um ... seja lá como for. E logo depois veio a maldita peste sexual, que tanto amarfanhou a geração. Mas essas eram coisas de cada um por si mesmo. Pois ainda que pragas contagiosas - e eu nunca vi algo que se pegasse mais do que a heroína - era cada um como cada qual, a decidir do risco que queria agarrar, não havia isto do agora, a imunização em manada.
Com amigos da minha idade - será mesmo melhor dizer "com sobreviventes da minha idade" - tenho ironizado com o que teria acontecido se nos dissessem no início dos 80s "agora é para se fecharem em casa [e com os vossos pais!!!!] durante meses". Teriam havido escapadelas em massa, fugas, motins, "revolution rock", suores, lágrimas imensas, até sangue, comunas estabelecidas, perseguições ...
35/40 anos depois os mais-novos fecharam-se em casa durante três meses. Aturaram os pais, ouviram o Rodrigo Guedes de Carvalho (e a Clara de Sousa, que nariz!, que belo nariz ...!) no dia-a-dia, confinados sem piarem. Haviam lido o PR e o MNE dizerem que não se podiam fechar fronteiras. E foram fechadas. Haviam ouvido a dra. Freitas dizer-lhes para visitarem os avós. E não visitaram. Haviam visto o PR a cirandar entre escolas e teatros cheios, ainda que já avisado do que se passava. E ficaram em casa. Viram a festividade do 25 de Abril e o nº 2 do internato a dizer que não andaria "mascarado". E ficaram em casa e depois, quando foi para pouco-sair, sairam mascarados. Viram os camaradas do PCP fazer a festa do 1º de Maio e ficaram em casa. Um mês mais tarde viram os camaradas do BE fazer a festa, a pintarem a manta e as estátuas, e ficaram em casa. E haviam sabido que era para ficar em casa para que não houvesse "ruptura" de ventiladores nos hospitais, mas já sabem que o governo comprou os tais ventiladores necessários (chegaram?, com instruções em cirílico, árabe ou em que alfabeto?). Depois viram o PM e a ministra do Género no teatro a ver o cómico do regime. E ficaram em casa. E foram saindo mascarados, nas poucas-coisas necessárias. E viram o Presidente Professor a beber uma jolas com os motoqueiros. E ficaram em casa. E souberam do orgulho pátrio porque vem aí a Xampions Ligue. E também ouvem há meses que Portugal é um exemplo de contenção e que fomos campeões no Covid-19. E foram ficando em casa.
E, mais de três meses passados, agora que o Verão aportou e que os turistas já aterram, aleluia que é este o desígnio nacional, saem eles, vão beber uns copos, talvez alguns fumar uns charros (se é que ainda se fuma), conviver, ir à praia, dançar. E nisso contagiar-se um pouco, claro. Pois "namorar é preciso, viver não é preciso ...", já diziam os antigos.
E depois de tudo isto a manada mais-velha, sempre imune à inteligência, di-los irresponsáveis, infantis.