Os interesses bons precisam de boas guerras
É extraordinário que o Ocidente se cale perante o extermínio da população de Gaza e gaste tanta retórica de indignação com quem tenta promover um acordo de paz na Ucrânia. O governo israelita está a enviar dois milhões de pessoas para a idade da pedra, enquanto o seu primeiro-ministro explica no congresso americano, aplaudido pelos líderes do império, que praticamente não há vítimas civis no conflito. A estratégia é simples, trata-se de resolver um problema de uma vez por todas, cortar o mal pela raiz: a vida em Gaza será impossível para dois milhões de pessoas e os sobreviventes terão de emigrar. Para onde? Para a Europa. Assistimos comodamente sentados no camarote. Os dirigentes europeus apoiam esta boa guerra humanitária num silêncio beato, enquanto espumam de raiva com um dos seus que ousou lançar um processo de paz na outra guerra que nos diz respeito. A coisa até tem pernas para andar, parece, mas existe ali, no mínimo, traição. Quem pensa em paz é traidor. A Ucrânia será um estado falhado, que nós, europeus, vamos sustentar durante vinte anos, mas o massacre deve prosseguir. A população de Gaza (enfim, a que sobrar) estará também a nosso cargo. Cabem aqui muitos refugiados. A hipocrisia e a cumplicidade com o crime darão origem a uma imensa vergonha: vocês deixaram fazer isto tudo? nunca protestaram?